No discurso que proferiu na abertura da 62ª Assembléia Geral da ONU, o presidente Lula prometeu "um completo zoneamento agroecológico do país para definir quais áreas agricultáveis podem ser destinadas à produção de biocombustíveis". Treze dias antes, em Estocolmo, havia afirmado: "Quem conhece a Amazônia sabe que o solo amazônico não serve para o plantio da cana".
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, não parece ter dado a devida atenção aos discursos. Chegou a anunciar que um zoneamento agrícola para a cana-de-açúcar, previsto para 2008, daria incentivos para plantio, ainda que em áreas degradadas, na Amazônia. Mencionou até "área de savana" em Roraima, hoje usada como pastagem.
Bastaram cinco dias para o ministro recuar. Diante da repercussão negativa e do temor de que o cultivo de cana na Amazônia venha se somar à grilagem, à extração ilegal de madeira, à pecuária e à soja para aumentar o desmatamento na região, após três anos de queda, disse que havia sido mal interpretado: o zoneamento permitirá cultivo de cana só em áreas já desmatadas.
O ministro de fato escorregara ao menosprezar a savana, que no Brasil é chamada de cerrado. Não é por ser usada como pasto que essa paisagem, das mais ameaçadas e ricas em espécies do país, merece ser ainda mais devastada.
Um verdadeiro zoneamento agroecológico deve levar em conta as condições de topografia, solo, clima e infra-estrutura para dirigir o plantio às áreas potencialmente mais produtivas para as diversas culturas. Também deve ser instrumento para impedir que a expansão dos biocombustíveis, uma oportunidade para o país, se faça desordenadamente. Sempre há o risco de cultivos mais rentáveis empurrarem agricultores descapitalizados a avançar sobre habitats naturais com prioridade de preservação.
É por essa razão que o zoneamento, como disse Lula, tem de ser completo e considerar todos os vetores do agronegócio, não só a commodity em ascensão.
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Folha de S.Paulo, 04/10/2007)