Falo do santo, falo do rio com seu nome. O santo que deu o nome a esse rio, esse poeta que viveu há aproximadamente oitocentos anos, jamais imaginou que seria a figura simbólica mais importante da humanidade no início do terceiro milênio. Nenhum ser humano é mais pertinente, mais presente, mais simbólico que Francisco. Ele jamais imaginaria que todos seus irmãos, desde os humanos até ao mais rasteiro dos sapos, estariam em risco de extinção total no começo do terceiro milênio.
O aquecimento global é a tragédia mais completa que o ser humano pode enfrentar. Seja o aquecimento progressivo, seja o aquecimento exponencial de Lovelock, o ser humano jamais conheceu algo parecido em sua história.
O rio São Francisco dista mil metros de minha casa. De minha janela posso olhar a ponte que une Juazeiro e Petrolina. Sua água azul corre serena, como se tudo estivesse em paz. Pela Pastoral dos Pescadores trabalhei onze anos dentro do rio. Conheço bem suas curvas, seus afluentes, seu povo, suas tragédias.
Agora, paira sobre o velho rio a sombra do aquecimento global. Todos os dados indicam que a região brasileira mais prejudicada será o semi-árido. O mínimo que vai acontecer será a redução de 20% de sua pluviosidade. Também o volume de águas do velho Chico deverá diminuir em 20%, no mínimo. Enfim, o que já é ruim pode tornar-se ainda pior. Caso se concretize a teoria de Lovelock, o semi-árido será apenas um deserto.
Nesse dia quatro de Outubro, dia de S. Francisco, dia do rio São Francisco, as comunidades ribeirinhas celebram o rio e o santo com festas de padroeiro, manifestações, programas de rádio e televisão. Nosso povo tem amor ao seu rio. Para nós ele não é um esgoto, nem apenas um manancial de água. Ele tem nome, tem vida, ele corre por dentro de nossas veias. Agredido, destruído, estuprado, ainda sobrevive. Se morrer, não haverá mais povo no semi-árido. Por isso nossa luta é simbólica em todo território nacional, até fora do país.
Você que acaba de ler esse texto, não se esqueça de pedir a São Francisco que ele zele pelo seu rio, que ele zele por todo nosso planeta. Não se iluda, na crise global do clima, ninguém escapará ileso.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó *,
Adital, 02/10/2007)
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)