O movimento ambientalista considerou ter perdido uma batalha quando o Ibama deu sinal verde para a licitação das usinas hidrelétricas do rio Madeira, em julho. Mas está longe de entregar os pontos. Nesta semana, parte para uma ambiciosa ofensiva na Europa, com o objetivo de convencer megainvestidores a não apostarem euros no projeto das usinas.
Frustradas nas tentativas de barrar o licenciamento ambiental, organizações não-governamentais como a Amigos da Terra e a International Rivers Network municiaram-se de estudos detalhados sobre os riscos financeiros do empreendimento e esperam provar aos bancos e multinacionais que investir nas usinas é dar um "salto no escuro".
A proposta é deixar de lado o discurso exclusivamente ambiental e falar a mesma língua do sistema financeiro. Algumas das principais empresas interessadas nos leilões do Madeira têm sede na Europa. . É o caso dos bancos Santander e Banif (aliados da Odebrecht no consórcio com Furnas), da multinacional franco-belga Suez Energy e da construtora italiana Astaldi (parceira do grupo paulista Alusa na licitação). No fim de outubro, fundos de pensão e bancos brasileiros também serão procurados.
Para os fundos, a mensagem é que o projeto das usinas ainda tem riscos elevados, que podem repercutir negativamente na aposentadoria dos seus pensionistas. Para os bancos, o alerta se estende para o prejuízo de imagem, ao serem vinculados a um empreendimento já incluído no "Bank Track" - uma lista negra de 17 obras ao redor do mundo, que inclui reatores nucleares e até a fábrica de celulose da Botnia no Uruguai, consideradas nocivas pelo movimento ambientalista e cujo financiamento é monitorado de perto pelas ONGs.
No estudo da Amigos da Terra, são mencionados como riscos a guerra judicial entre os diversos consórcios, a indefinição sobre o custo da linha de transmissão Porto Velho-Araraquara e da taxa de compensação ambiental, o modelo de financiamento e até as mudanças climáticas em curso. Alterações no regime de chuvas da região, segundo o relatório, já começaram a ser sentidas e podem agravar-se com o desmatamento, pondo em xeque a vazão do rio Madeira no médio e longo prazos. Isso pode resultar em perda de potência e de rentabilidade das usinas
"Dado o caráter de longo prazo da concessão e do financiamento do projeto, assim como a alta sazonalidade da perspectiva de geração das usinas, tal risco não pode ser negligenciado", diz o estudo.
Outro fator de insegurança para o investidor, no que se refere à produção de energia das usinas, é a possibilidade de acúmulo de sedimentos nos reservatórios. O relatório lembra que esse foi um dos pontos mais controversos no processo de licenciamento ambiental.
O Ibama acabou considerando satisfatórias as explicações apresentadas, após resistência inicial, mas o estudo pondera que os pareceres do consultor indiano Sultam Alam, sob encomenda do governo, basearam-se em visita de apenas três dias à região e referem-se apenas à barragem de Santo Antônio, com conclusões extensivas a Jirau.
A "fragilidade" da licença prévia emitida pelo Ibama é apontada como um risco para os investidores. Segundo o relatório, o uso de consultores externos no processo pode invalidar o licenciamento, já contestado na Justiça pelo Ministério Público Federal. A ação civil pública "pode ser julgada a qualquer momento", com riscos para o cumprimento do cronograma. Se for obedecido o calendário proposto pelo governo, de entrada em operação de Santo Antônio em 2012, há grande risco de atraso e comprometimento do fluxo de caixa do projeto, indica o trabalho.
O relatório foi elaborado com base nos critérios das agências de rating para classificação de projetos, segundo o economista Gustavo Pimentel, gerente do programa Eco-Finanças da ONG Amigos da Terra. "A questão do Madeira é emblemática para os movimentos sociais e ambientalistas. De certa forma, vai definir como será a exploração energética da Amazônia. Por isso, nos preparamos para ter uma discussão técnica", diz Pimentel "Não é um simples trabalho de ecologistas que pegaram um livro de finanças no fim de semana e se sentem prontos para tripudiar em cima de um projeto."
(Por Daniel Rittner,
Valor Econômico, 02/10/2007)