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conservação da biodiversidade
2007-10-03
A América Latina concentra a maior biodiversidade do mundo, mas o modelo de desenvolvimento em vigor, baseado na exploração intensiva dos recursos naturais para a exportação, arrasa com ecossistemas e até áreas protegidas, sem que os governos consigam deter esta situação. O alerta foi dado por ambientalistas e acadêmicos no II Concresso Latino-americano de Parques Nacionais e Outras Áreas Protegidas, que acontece em San Carlos de Bariloche, cidade turística que fica 1.600 quilômetros a sudoeste de Buenos Aires, no coração do Parque Nacional Nahuel Huapi, na província de Rio Negro.

“A América Latina está crescendo ao ritmo de 5% a 6% ao ano mediante um modelo de desenvolvimento que não responde às necessidades locais mas à demanda global, e que tem forte impacto na geografia da região”, disse à IPS Robert Hofstede, diretor do escritório regional sul-americano da União Mundial para a Natureza (UICN). “Os governos têm diferentes cores políticas, mas existe algo que caracteriza praticamente todos eles: nenhum tem consciência de que precisam basear o desenvolvimento no manejo sustentável dos recursos naturais”, ressaltou Hofstede, pedindo que a conservação das áreas protegidas seja “uma política de Estado”. Com o desenvolvimento sustentável “trabalhamos há 30 anos, mas este debate não foi aproveitado pelos governos, ficamos pregando em nossas paróquias, tentando convencer os convencidos”, acrescentou.

O encontro, iniciado domingo e que terminará no próximo sábado, tem mais de dois mil inscritos, foi organizado pela UICN, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Administração de Parques Nacionais da Argentina. O objetivo do encontro é analisar o estado das áreas protegidas nesta região, que abriga mais de 40% das espécies de flora e fauna do planeta. Em diversas intervenções, os conferencistas advertiram sobre as ameaças principais que pesam sobre os ecossistemas. As expansão da monocultura, da produção para biocombustíveis, a exploração mineira e de petróleo, além do desenvolvimento de infra-estrutura em grande escala foram as mais mencionadas.

“Já cruzamos o umbral” da deterioração ambiental, alertou o uruguaio Eduardo Gudynas, do Centro Latino-americano de Ecologia Social. Como exemplo disso assinalou o desmatamento na Amazônia para facilitar a expansão da pecuária destinada à exportação de carnes e de produtos lácteos. Gudynas recordou que na região houve uma mudança política, que em vários países deu lugar a uma direção critica das reformas de mercado nos anos 90, mas tal modificação não parece ter incidido na agenda referente ao meio ambiente. “Por que os governos progressistas não o são também em matéria ambiental?”, perguntou.

A exceção que iria contra essa tendência se deu nos últimos meses no Equador, como demonstra a decisão do governo de Rafael Correa em se negar a avalizar a extração de petróleo no Parque Nacional de Yasumi, por considerar que os eventuais benefícios econômicos não compensariam o custo do dano ambiental. Diante deste cenário, onde a preservação é a exceção, o diretor de Estratégias Globais da UICN, Gabriel López, considerou necessário pensar em um novo modelo de desenvolvimento sustentável, no qual o meio ambiente seja um pilar a mais junto ao econômico e o social, mas a base do novo esquema. “Na América Latina há avanços, mas, ao mesmo tempo vamos perdendo terreno. É urgente uma mudança fundamental, um novo modelo de desenvolvimento com maior equidade e um novo respeito pelos ecossistemas. Sem estas mudanças, as áreas protegidas serão ilhas inviáveis em apenas alguns anos”, alertou López.

As áreas cumprem uma função primordial, como fornecedoras de serviços ambientais. A purificação do ar e da água, a captura de carbono para minimizar a mudança climática, a manutenção de solos férteis ou a extração de medicamentos, fibras e madeiras são apenas alguns deles. “Com o modelo atual não vamos a lugar nenhum”, disse à IPS Carlos Castaño Uribe, assessor da FAO e compilador do Diagnostico e Situação Atual das Áreas Protegidas na América Latina e no Caribe, que foi apresentado no congresso. “É o momento de agir, não de continuar conceituando”, desafiou. Para esse especialista, que presidiu o primeiro congresso latino-americano, realizado em 1997 na cidade colombiana de Santa Marta, falta “uma gestão harmônica no território, que coloque regras de jogo claras sobre o uso do solo. O movimento ambientalista vem fazendo um grande esforço há 30 anos”, afirmou Uribe. “Ganhou um enorme espaço e conseguiu envolver muitos atores, mas mesmo assim é insuficiente para atender este desafio de uma economia de mercado globalizada, que homogeneíza inclusive a maneira de pensar”, ressaltou.

Segundo Castaño, a chave para um novo modelo de desenvolvimento começa nas comunidades locais, e ali há sérios problemas, alertou. “As políticas públicas de governos nacionais, provinciais e locais, desde suas diferentes áreas, oferecem incentivos distintos e até contraditórios a um mesmo ator local, assegurou. Com exemplo, disse que “a partir da agricultura ou da pecuária se incentiva a secagem de mangues e para isso são concedidos empréstimos, enquanto as áreas de parques nacionais ou meio ambiente incentivam a conservação”. “Para o ator local, se trata apenas de tomar a melhor oferta, a que lhe render mais”, criticou.

Pelo informe realizado por Castaño, a superfície das áreas protegidas na América Latina e no Caribe duplicou na última década e há muitos mais setores sociais envolvidos em sua preservação. Porém, Hofstede disse que o que faz falta é envolver os setores da indústria, do comércio internacional e os governos. O presidente da Administração de Parques Nacionais da Argentina, Héctor Espina, admitiu ser preciso desenvolver estratégias para priorizar as áreas protegidas nas políticas públicas. Destacou, também, que os parques nacionais argentinos recebem três milhões de visitantes por ano, que deixam US$ 600 milhões de dólares. Julia Carabias, bióloga da Universidade Autônoma do México e ex-secretária de Meio Ambiente desse país, lamentou que em muitas nações haja quem milite contra as áreas protegidas por considerá-las “um luxo” de Estados pobres. As áreas protegidas “não são um freio ao desenvolvimento, mas uma alternativa”, afirmou.

(Por Marcela Valente, IPS, 02/10/2007)



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