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trabalho escravo
2007-10-03

A audiência pública realizada nesta terça-feira (02/10) pela Comissão Temporária Externa do Senado Federal, que investiga a libertação de 1.108 supostos trabalhadores escravos, detalhou duas versões opostas sobre as condições em que a Fazenda Pará Pastoril Agrícola (Pagrisa) mantinha seus trabalhadores. Ambas as partes, empresa e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apresentaram vídeo para justificar o que dizem.

Em 2 de julho, o Ministério Público do Trabalho (MPT) informava que tinha feito a maior libertação de trabalhadores em condição análoga à de escravos do país na Fazenda Pagrisa, produtora de etanol, no Pará. Alguns senadores, após irem à fazenda, questionaram o trabalho dos fiscais e, a pedido do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), a comissão parlamentar foi criada.

Uma das fotos do MTE mostrou um buraco no chão onde os trabalhadores fariam suas necessidades. Segundo a empresa, há 198 banheiros e o ministério fotografou apenas o que estava com problemas. De acordo com o ministério, os trabalhadores chamavam a água que bebiam de “caldo de feijão” pela cor escura e por causar diarréia. Na foto, o ministério mostra galões sujos e um reservatório em condições ruins. A empresa diz que o ministério está equivocado, que o reservatório não é de água e sim de agrotóxico, e os galões, de herbicidas.

Segundo a empresa, os fiscais do Trabalho chegaram a um parecer sem ter feito a devida vistoria. Eles fiscalizaram “durante duas, três horas, mas não falaram conosco, não se dirigiram a nós”, diz um dos proprietários da Pagrisa, Fernão Villela. “No dia seguinte, estava na imprensa.” Ele acusou o governo de “estar preocupado com metas” e, por isso, divulgar números sem checá-los. O auditor-fiscal Humberto Pereira negou que tivesse passado as informações para jornalistas.

Pereira conta que, ao perguntar quem queria sair da empresa, todos os trabalhadores disseram que queriam ir embora. Mas, segundo Fernão Villela, da Pagrisa, eles foram “claramente induzidos com promessas de dinheiro e obrigados a sair”. “Se alguém oferece um Seguro-Desemprego para que o trabalhador fique sete meses em casa, quem vai querer ficar trabalhando debaixo de sol quente? É claro que vão aceitar, 92% desses trabalhadores não tinham direito ao Seguro-Desemprego e receberam”.

Se, de um lado, o ministério apresentou fotos e vídeo para provar condições degradantes, de outro, a empresa exibiu um vídeo mostrando 84 moradias, 28 apartamentos para famílias, equipamentos de proteção, restaurantes, posto médico e consultório dentário. O vídeo apresentou também depoimentos de trabalhadores dizendo que foram enganados pelos fiscais. Segundo esses trabalhadores, no dia seguinte, os fiscais não deixaram trabalhar quem queria isso. De acordo com os depoimentos, fiscais do trabalho diziam que quem ficasse lá iria “se arrepender porque a empresa iria fechar e eles ficariam sem emprego e sem receber nada”.

O auditor Humberto Pereira tem outra visão dos fatos. “Encontramos trabalhadores dormindo em cima de um papelão no chão, o banheiro era um buraco na terra, não tinha papel higiênico e eles comiam comida estragada”. Segundo ele, “o açougue tinha um cheiro terrível de tanta carne estragada, o esgoto é derramado na represa onde tomavam banho e os dormitórios suportavam no máximo 750 pessoas e tinham 1,5 mil”. Ele disse que quando perguntou quem quer ir embora ninguém quis ficar, e que se chocou ao ver um trabalhador sentado debaixo de um caminhão para se proteger do sol enquanto almoçava.

O pagamento dos trabalhadores também gera discordância. De acordo com o relatório, 31 trabalhadores ficaram sem salário em abril. A empresa cobraria caro por remédios que por ventura os trabalhadores precisassem. E “as dívidas eram descontadas no contra-cheque. Um trabalhador estava com saldo negativo. Não recebeu nada e ainda devia R$ 30”.

A versão de Fernão Villela é outra. “Dois desses 31 trabalhadores nem eram funcionários da empresa ainda e os demais receberam normalmente. Temos todos os recibos de pagamento e também de transferência para a conta bancária de cada um”. O proprietário diz que, pelo contrário, um desses trabalhadores não trabalhava no corte de cana e “tinha retornado no dia anterior de São Paulo, onde foi fazer um curso de especialização num investimento de R$ 4 mil da empresa”. Segundo ele, dos 1.180 trabalhadores que foram embora e receberam o seguro-desemprego, 22 “nem tinham começado a trabalhar”.

O procurador do Trabalho Antônio Luiz Fernandes conta que, no início, teve certeza de que ali não existia trabalho escravo porque as instalações eram boas. Mas depois percebeu que “o problema não era a falta de instalações, mas o tratamento dado aos trabalhadores. Faltava pouca coisa para que se legalizassem”.

“É bastante confuso. Foram dois vídeos totalmente diferentes de um mesmo local, falando de um mesmo estado. É difícil tomar uma decisão”, afirmou a relatora da questão, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO).

(Por Alessandra Bastos, Agência Brasil, 03/10/2007)


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