Um sério e grande conflito se aproxima da Amazônia brasileira. Será, sem dúvida, um conflito de dimensões e repercussões mundiais, tal o risco que ele representa para a manutenção da maior e mais rica floresta tropical do planeta.
O conflito atende pelo nome de cana-de-açúcar, que começou a dividir seriamente, nesta sexta-feira, o governo Lula nas suas concepções e ações em relação a essa região considerada ambientalmente estratégica para todo o planeta.
A ministra do Meio Ambiente, a ex-seringueira acreana Marina Silva, ligou para seu colega da Agricultura, Reinhold Stephanes, para pedir esclarecimentos sobre a declaração que ele dera na quinta-feira de que o governo poderá autorizar o plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas ou devastadas da Amazônia.
"Na conversa, a ministra confirmou e reafirmou que não há a menor hipótese do governo estimular o plantio que leve direta ou indiretamente ao desmatamento da Amazônia", contou o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco.
O principal auxiliar da ministra Marina afirmou que o governo está elaborando um zoneamento para a cana-de-açúcar e que o estudo deve ficar pronto em meados do ano que vem. Segundo Capobianco, o zoneamento indicará as áreas ideais e as proibidas para os canaviais.
E o secretário foi taxativo na posição do ministério ocupado por Marina Silva, que assumiu o Meio Ambiente com o compromisso aceito pelo presidente Lula de que ela faria a transversalidade ambiental em todas as pastas do seu governo. "Não haverá estímulo ou permissão para o plantio de cana na Amazônia. A tendência, no governo, é a de não estimular o plantio na região", sentenciou Capobianco.
Defendendo a floresta durante toda uma vida
A posição passada pela ministra do Meio Ambiente ao colega da Agricultura pode dar origem a uma crise governamental de proporções muito maiores do que se deu na época em que Marina Silva bateu o pé para não aprovar o plantio de produtos agrícolas geneticamente modificados (os transgênicos) no Brasil. Mesmo chorando abraçada a pequenos agricultores na portaria de seu ministério, a ministra acabou absorvendo a derrota.
Mas, agora, a ministra do Meio Ambiente está defendendo algo pelo qual ela mais lutou na vida e que lhe deu, inclusive, projeção política nacional e até internacional, que foi a manutenção da floresta em pé. Foi exatamente por isso que ela chegou a ser apontada como a sucessora imediata do líder seringueiro Chico Mendes.
O grande conflito é iminente porque Marina Silva já está deixando claro seu posicionamento contrário à posição assumida por parte do governo, de alardear que o Brasil será o grande celeiro mundial dos biocombustíveis, que representam a opção econômica sustentável que irá substituir, no futuro, os derivados do petróleo. Só que no meio disso tudo existe a última grande floresta do globo, que o mundo também quer e precisa preservar pelo bem do clima planetário. Não se sabe se Marina conseguirá, desta vez, continuar sustentável dentro do atual governo.
Ministro da Agricultura confirma incentivo ao cultivo da cana-de-açúcar
O impasse que aguarda a ministra Marina Silva veio com a confirmação na sexta-feira, pelo ministro da Agricultura, da notícia de que o zoneamento agrícola da cana-de-açúcar, previsto para 2008, deverá não apenas permitir como também incentivar o plantio em áreas já degradadas ou devastadas da Amazônia. Negada pelo governo até a semana passada, a informação foi confirmada pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, em entrevista coletiva.
Na coletiva, o ministro da Agricultura disse textualmente. "Ao leste de Roraima há uma área de savana, que hoje é pastagem. Nada impede que se plante cana ali, não está se derrubando mata. A idéia-força é utilizar áreas já desmatadas", exemplificou o ministro.
De acordo ainda com o ministro da Agricultura, ainda não há certeza sobre os instrumentos de incentivo, mas "muito possivelmente" será oferecida para o plantio de cana isenção de impostos ou contribuições, como já ocorre no caso do biodiesel produzido a partir de mamona em escala familiar de produção.
O zoneamento de cana-de-açúcar está previsto para ser concluído em agosto do ano que vem. O documento terá força de lei para impedir o plantio em algumas regiões e permitir ou incentivar em outras. Em julho, o próprio ministro Reinhold Stephanes chegou a dizer que o zoneamento vedaria o plantio na região amazônica e no Pantanal. Mas depois voltou atrás e confirmou o plantio da cana nas áreas degradadas da Amazônia.
Ao lado da ministra do Meio Ambiente está o fato de que o Brasil enfrenta ceticismo e pressão cada vez maiores da comunidade internacional para elevar os padrões de qualidade para o plantio de cana e de oleaginosas visando a produção de biodiesel. Além disso, a Amazônia ocupa o topo da lista de preocupações ambientais da maioria dos países do mundo.
Por temer que esta desconfiança se transforme em barreiras aos biocombustíveis nacionais, o governo anunciou o lançamento do zoneamento da cana e de um selo socioambiental para os combustíveis verdes. O problema, no entanto, é que a expansão da fronteira agrícola criou bolsões de áreas consideradas degradadas, cuja recuperação o governo pretende induzir por meio do plantio de cana.
União Européia é aliada de Marina
Mesmo no começo do grande conflito, que se avizinha e representa risco concreto à grande floresta, a ministra do Meio Ambiente já sai na briga com a vantagem de ter como aliados os países da União Européia.
Segundo anunciou nesta sexta-feira a Agência Estado, a União Européia (UE) se disse surpreendida com a manifestação do governo brasileiro de que autorizará plantio de cana-de-açúcar na Amazônia. E alertou que a certificação do etanol, a ser criada nos próximos meses, não permitirá a entrada de biocombustível no mercado europeu que gere danos ambientais.
Segundo a notícia da Agência Estado, deputados europeus e organizações não-governamentais (ongs) também atacaram a idéia de autorizar o uso de áreas desmatadas na Amazônia e alertam que a decisão prejudicará a imagem do etanol. "Até o final do ano, a Comissão Européia deve estabelecer um sistema de certificação que irá impor condições para o etanol comercializado".
Por sua vez, em resposta às pressões da União Européia, o governo brasileiro já deixou claro que não aceitará barreiras abusivas e que poderá levar o caso até mesmo aos tribunais da Organização Mundial do Comércio (OMC) se sentir que está sendo prejudicado. Definitivamente, as peças do grande conflito entre floresta e biocombustíveis já começaram a ser colocadas na mesa, internamente e a nível internacional.
(Por Romerito Aquino,
A Tribuna, 30/09/2007)