Como o desmatamento é a segunda maior fonte de gases que provocam o aquecimento da atmosfera, especialistas centram a discussão na viabilidade de compensar os países que protegem suas florestas. A proposta Redução de Emissões de Desmatamento (RED) não foi incluída no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto sobre Mudança Climática. Mas agora é avaliada por cientistas, empresas e organismos de países pobres com grande cobertura florestal. O MDL permite que governos e empresas de nações industrializadas, obrigadas a reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa, cumpram parte destes compromissos investindo em projetos limpos em nações em desenvolvimento para obter reduções certificadas de emissões a custos menores.
“A RED não deteria a mudança climática, mas poderia integrar uma estratégia múltipla”, explicou ao ser entrevistado Christopher Field, diretor do Departamento de Ecologia Global do Instituto Carnegie de Washington. A RED surgiu em 2005, na 11ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática, liderada por Papua Nova Guiné e Costa Rica, com apoio da coalizão de Nações com Florestas Tropicais. Consiste em incluir o desmatamento evitado no comércio global de créditos de carbono, principal gás causador do efeito estufa.
Espera-se que sua implementação se concretize na 13ª Conferência das Partes, em dezembro, na ilha de Bali, na Indonésia. O Brasil, por sua parte, propõe um fundo com contribuições voluntárias de dinheiro público para compensar o esforço dos países em desenvolvimento que reduzirem o desmatamento, que seriam remunerados de acordo com a emissão evitada. No artigo “Tropical Forests and Climate Policy” (Florestas Tropicais e Políticas Climáticas), publicado em 10 de maio na revista Science Express, Field e outros pesquisadores propõem reduzir em 50% o ritmo atual de desmatamento até 2050.
Isto seria equivalente a 50 bilhões de toneladas de carbono não lançadas na atmosfera, equivalentes a seis anos de liberação de gases procedentes de combustíveis fósseis, afirmam os especialistas. Entretanto, esse número “é insignificante”, segundo Almuth Ernsting, da campanha Biofuelwatch-Grã-Bretanha. Como a RED tenta deter o corte de florestas em nível industrial, “muitas selvas tropicais, incluída a Amazônia, seriam derrubadas muito antes de se chegar a esses 50%”, afirmou ao Terramérica.
A Amazônia é o ecossistema florestal com maior quantidade de carbono: 305 toneladas por hectares, dos quais 28% estão no solo, segundo um estudo de 1998. Sua destruição liberaria 120 bilhões de toneladas de carbono até 2050, o que seria catastrófico para o clima, acrescentou Ernsting. A transformação de ecossistemas naturais em cultivos agrícolas supõe uma perda de 75% do carbono do solo nos trópicos. Isso representa entre 18% e 20% do total de emissões geradas pelo desmatamento, segundo os especialistas.
Nas florestas e nos solos está armazenado quase o dobro do carbono existente na atmosfera, disse ao Terramérica William Moomaw, diretor do Centro para as Políticas Internacionais sobre Ambiente e Recursos, da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos. Um dos problemas do “desmatamento evitado” é o risco de fuga das emissões por perda florestal para outras zonas dentro e fora dos países beneficiários. “Se uma área é conservada e outra desmatada, como funcionaria essa contabilidade? Plantar árvores em outras áreas poderia não funcionar, pois freqüentemente isto é feito em solos não aptos para florestas”, disse Moomaw.
Esse problema já ocorreu com as plantações de árvores para absorver carbono e pode se repetir em um esquema de redução de emissões do desmatamento, dizem os críticos. O mercado de carbono serviu para financiar plantações de monocultivos com impactos muito negativos em solos, comunidades, recursos hídricos e, ironicamente, nas emissões de carbono, disse Ernsting. Também há dúvidas sobre as dificuldades para controlar as mudanças nas existências de carbono das florestas, uma vez que o sistema seja aplicado. “A supervisão implica alguns gastos, mas as tecnologias com uso de satélite tornam o desafio relativamente simples”, afirmou Field. As medições nacionais podem funcionar, explicou Moomaw.
No âmbito internacional seria preciso que Brasil, União Européia e Estados Unidos formassem uma equipe coordenada de controle via satélite disponível para países com poucos recursos e ricos em florestas. O pagamento pelo desmatamento evitado deveria reduzir emissões pelo incentivo a uma mudança nas pautas internacionais e adoção de uma tarifa de emissão para nações com pouco ou nenhum desmatamento histórico, segundo a pesquisa “No Forest Left Behind” (Nenhuma Floresta Deixada para Trás), publicada pela Conservação Internacional no dia 14 de agosto, na revista Public Library of Science Biology.
Os países com muitas florestas e desmatamento relativamente baixo são Belize, Butão, Colômbia, República Democrática do Congo, Gabão, Guiana, Guiana Francesa, Panamá, Peru, Suriname e Zâmbia. Habitados em sua maioria por povos indígenas, entrariam no comércio de carbono mediante “créditos preventivos” ou recompensas, que perderiam se aumentasse a perda florestal. Para que o sistema funcione com igualdade é importante a participação das comunidades locais, afirmam especialistas. “O desmatamento evitado não é ruim em sim, mas as maneiras de concretizá-lo são complexas e estão carregadas de relações de poder desiguais”, explicou Helen Leake, do não-governamental Forest Peoples Programme.
(Por Zilia Castrillón,
Terramérica, 01/10/2007)
* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (sigla em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).