Nos últimos dez anos, quase duplicou a superfície de áreas protegidas na América Latina e aumentou muito a participação das comunidades locais em sua preservação e seu manejo, afirma um estudo regional entregue com exclusividade ao Terramérica. Porém, a exploração de hidrocarbonos, a expansão agrícola e o desenvolvimento de infra-estrutura em grande escala ameaçam a conservação e ofuscam os esforços dos países para avançar rumo ao desenvolvimento sustentável, afirma a versão preliminar do estudo, feito com base em informes nacionais.
O documento foi apresentado na abertura do II Congresso Latino-Americano de Parques Nacionais e Outras Áreas Protegidas, que começou no domingo e termina no dia 6 de outubro, na turística cidade de San Carlos de Bariloche, no sul da Argentina. Com o título “Diagnóstico e Situação Atual das Áreas Protegidas na América Latina e no Caribe - 2007”, é considerado a linha-mestra para entender o momento atual e definir políticas futuras.
Desde o primeiro congresso regional, realizado em 1997 na cidade colombiana de Santa Marta, houve um “substancial aumento” da superfície protegida, passando de 160 milhões de hectares para mais de 300 milhões, segundo o rascunho. No IV Congresso Mundial de Parques Nacionais, de 1992 a área regional sujeita a proteção não chegava a 120 milhões de hectares. “Trata-se de mais de 10% da área total do Neotrópico em sua porção continental”, disse o compilador do informe, o antropólogo colombiano Carlos Castaño Uribe, assessor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
A ecorregião do Neotrópico se começa no sul do México e inclui a América Central, o Caribe e a América do Sul, englobando as maiores florestas tropicais do mundo. Doze países informam sobre crescimento de suas áreas protegidas. Brasil e El Salvador duplicaram essa área na última década. E quase todos superam hoje o padrão internacional de 10% da superfície, diz o balanço. O que preserva maior proporção de seu terreno (66%) é a Venezuela. Também se destacam Guatemala e Panamá, com mais de 30%. “A expansão das áreas protegidas é um dos melhores indicadores da contribuição da região à conservação global”, afirma o estudo.
Por meio de sua Rede Latino-Americana de Cooperação Técnica em Parques Nacionais, outras Áreas Protegidas, Flora e Fauna Silvestres (Redparques), a FAO organiza o encontro junto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o escritório da América do Sul da União Mundial para a Natureza (UICN). “A participação das comunidades locais na gestão e no manejo das áreas protegidas é cada vez mais comum em quase todos os países da América Latina”, resume o documento. São exemplos a política que a Bolívia desenvolve com indígenas e camponeses, a Missão Árvores da Venezuela, os Parques com as Pessoas da Colômbia, ou a participação de mulheres mexicanas em atividades de conservação.
As reservas privadas também ganharam “um papel muito importante”, afirma o estudo. Os países informam a existência de 1.296 áreas privadas que alcançam quase três milhões de hectares. O Chile lidera esta modalidade, com 1,7 milhão de hectares. Os corredores biológicos, que ligam áreas de conservação, também ganharam terreno, mas ainda estão em construção. É muito menor o número de corredores existentes do que o dos propostos em escala local, regional e internacional. “É uma estratégia que gera grande expectativa”, segundo o autor.
Outro desenvolvimento em andamento diz respeito aos parques marinho-costeiros. Essas áreas protegidas já existem em Cuba, Chile, Guatemala e República Dominicana, e há projetos em marcha em outros países, como a Argentina. No aspecto institucional, também houve avanços desde 1997. Em oito países foram criados ministérios de meio ambiente ou elevou-se a hierarquia das repartições que administram os parques. A maioria conta com leis específicas para áreas protegidas, e cinco as incluem em seus planos nacionais de desenvolvimento.
Com diferentes sistemas, todos os países controlam e avaliam a efetividade de seus planos de manejo. Entretanto, no quesito vigilância, a falta de recursos se revela, uma falência mais notória em países cuja superfície a preservar é mais extensa. Embora o documento não pondere este dado, informa que, na média, na América Latina se dispõe de um guarda-parques para quase 30 mil hectares. Esta brecha é maior no Brasil, com um guarda-parques para cada 111 mil hectares, e cai em El Salvador para um para cada 350 hectares. Apesar de a maioria dos países afirmar que aumentou o orçamento para dotações, expressam mais necessidade de pessoal qualificado e equipamento.
O compliador Uribe afirma que os programas de turismo ecológico aumentaram sensivelmente nas áreas protegidas nos últimos cinco a dez anos, e considera que esta atividade pode se converter em “uma importante fonte de sustentabilidade e independência financeira” para essas áreas. No item das ameaças, aparecem exploração de hidrocarbonos, mineração, expansão agropecuária, infra-estrutura, desmatamento, incêndios florestais, turismo e pesca não-sustentável, superexploraçao da biodiversidade e da água, pobreza e aumento da população, conflitos pela terra, contaminação e erosão do solo.
Alguns países reportam ausência de leis, debilidade institucional e pessoal insuficiente ou sem qualificação, entre outros desafios que esperam respostas em Bariloche, onde se reúnem mais de dois mil funcionários governamentais, acadêmicos, conservacionistas e representantes de comunidades indígenas, afrodescendentes, pescadores, camponeses e do setor turístico. A reunião pretende promover o intercâmbio de experiências e conhecimentos, avaliar a conservação da biodiversidade em nível nacional e regional e definir estratégias e políticas para as áreas protegidas.
(Por Marcela Valente,
Terramérica, 01/10/2007)