As Nações Unidas celebram neste 1º de outubro o Dia Mundial da Habitação. Mas o que falta são motivos para comemorar: mais de um bilhão de pessoas vive hoje em favelas ou habitações precárias – quase um sexto da população mundial – e mais de 100 milhões estão desabrigados, especialmente na África, na Ásia e na América Latina, ao contrário das metas de desenvolvimento da ONU.
A situação não poderia ser mais paradoxa: enquanto nos países desenvolvidos as cidades encolhem devido ao baixo índice de natalidade, nos países em desenvolvimento, onde a população não pára de crescer, as poucas chances de desenvolvimento pessoal no campo leva à formação de megacidades de proporções cada vez maiores. Nos dois casos, a situação exige que se encontrem soluções ecológicas e socialmente sustentáveis.
Cada vez mais favelasSegundo o arquiteto afegão Omar Akbar, diretor da Fundação Bauhaus de Dessau, a tendência é que as favelas ocupem uma parte cada vez maior dos núcleos urbanos. "Continuo observando este processo de depauperamento em quase todas as megacidades que visito e faço questão de visitá-los pessoalmente", conta. "Reconheço aqui e ali que há um ou outro projetinho em andamento, financiados pelo Banco Mundial. Mas são uma gota no oceano." Além disso, muitas das organizações internacionais de auxílio ao desenvolvimento executam tarefas com base em suas próprias concepções de sociedade, sem levar em conta as especificidades da realidade local.
Integrar a populaçãoHá alguns anos, a Fundação Bauhaus foi convidada pela prefeitura do Rio de Janeiro para desenvolver um projeto-modelo para uma das 500 favelas da metrópole carioca. Uma das principais preocupações do projeto Célula Urbana é manter o caráter sustentável, tanto do ponto de vista social quanto urbano. Para Akbar, o importante é se perguntar "como integrar os habitantes, chamar a atenção deles para o projeto e observar as reações: o que se passa com a cidade, com a administração municipal, mas também com os envolvidos".
Mas isso implicaria a necessidade de se reconhecer a arquitetura das favelas e suas estruturas sociais como aptas ao desenvolvimento e assim aceitá-las como base para projetos urbanísticos. Afinal, elas deverão servir de habitação para as mesmas pessoas que já moram nelas, sem que as modestas melhoras elevem o valor imobiliário de tal forma a expulsá-los os em prol de outros inquilinos de renda mais alta.
No entanto, aponta Akbar, os responsáveis pela administração pública e os envolvidos com o problema nas universidades teriam freqüentemente apenas uma clientela de alta renda em vista e não estariam dispostos a assumir responsabilidades sociais pelos mais pobres.
Globalização acelera desalojamentoMas há também formas mais escancaradas de se observar o desalojamento forçado como uma tendência recente. Desde 2003, mais de quatro milhões de pessoas tiveram de deixar suas moradias precárias e até então negligenciadas para para ceder lugar a edifícios suntuosos, shopping centers e prédios de escritórios, impulsionados pelo processo de globalização eonômica.
Misereor, critica o fato de a economia, o transporte e a especulação imobiliária serem aspectos prioritários em muitos países. "Isso muito nos preocupa, pois a maioria dessas pessoas se estabeleceu em favelas espontaneamente e, por mais que às vezes já vivam lá há décadas, não possuem documentos de posse e se encontram em uma situação jurídica muito complicada".
Miloon Kothari, relator especial da ONU sobre moradia adequada como componente do direito a um adequado padrão de vida, considera absolutamente inaceitável uma política de desenvolvimento que apenas desloca a pobreza, sem eliminá-la. "Isso contribuiu para elevar o número de desabrigados, para o aumento da pobreza e para o desmembramento de comunidades sociais", critica.
Outro aspecto importante foi levantado pela professora Frauke Kraas, da Universidade de Colônia, que coordena o projeto trinacional Governing Emerging Cities, em parceria com a Índia e a China. Segundo ela, "muito mais agentes influenciam hoje a cidade como sistema. A administração pública deixou de funcionar como agente principal", explica. "Também é preciso cooperar com diversas camadas da população, como pesquisadores, economistas e representantes da sociedade civil", conclui a especialista.
(
Deutsche Welle, 01/10/2007)