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abastecimento de água crise da água
2007-10-01

Centenas de metros abaixo do solo, as reservas de água de Shijiazhuang, capital da província de Hebei com mais de 2 milhões de habitantes, estão cada vez mais escassas. Os poços municipais já secaram dois terços da água potável local e o lençol freático está secando rapidamente.

Acima do solo, essa cidade localizada na planície do norte da China buscar está em festa. O crescimento econômico foi de 11% no ano passado. A população está aumentando. Um novo empreendimento habitacional de luxo anuncia a venda de propriedades à beira de lagos alimentados com água potável bombeada de poços. Outro complexo residencial, o Arco Real, está sendo construído sobre um dos pontos mais baixos do lençol freático da cidade.

“As pessoas que estão comprando apartamentos não estão pensando se haverá água no futuro”, disse Zhang Zhongmin, que nos últimos 20 anos vem tentando aumentar a consciência pública sobre a terrível situação do suprimento de água da cidade.

Por três décadas, a água tem sido indispensável para sustentar a expansão econômica que transformou a China em uma potência mundial. Agora, o estilo de crescimento econômico chinês – acelerado e muitas vezes esbanjador – está levando o país em direção a uma crise de fornecimento de água. A poluição das águas é extrema em todo o país. Ao mesmo tempo, a escassez de água tem aumentado severamente no norte da China – embora a demanda continue crescendo em todos os lugares.

A China está à procura de petróleo, gás natural e minerais em todo o mundo para manter sua máquina econômica funcionando. Mas os acordos comerciais não são capazes de resolver problemas de suprimento de água. O uso de água na China quintuplicou desde 1949 e os líderes vão enfrentar cada vez mais escolhas políticas difíceis com as cidades, a indústria e a agricultura competindo por um suprimento de água finito e desequilibrado.

Um exemplo são os grãos. O Partido Comunista, atento à dependência do país na importação de alimentos, insiste na auto-suficiência de grãos. Mas o cultivo de tantos grãos consome grandes quantidades de água potável da planície do norte da China, que produz metade do trigo do país. Alguns cientistas afirmam que a agricultura nessa região de rápida urbanização deveria ser restrita para proteger lençóis de água em risco. No entanto, isso poderia ameaçar o sustento de milhões de agricultores e provocar um aumento nos preços internacionais de grãos.

Para o Partido Comunista, o desafio imediato é a tarefa de fazer com a economia mais dinâmica do mundo conserve e proteja suas reservas de água potável. A poluição das águas está tão disseminada que as agências reguladoras afirmam que um grande acidente ocorre quase todos os dias. O despejo de lixo municipal e industrial fez com que grandes trechos de muitos rios se tornassem “impróprios para contato humano”.

Cidades como Beijing e Tianjin apresentaram avanços na conservação das reservas de água, mas a economia chinesa continua a enfatizar o crescimento. A indústria na China utiliza entre três e dez vezes mais água, dependendo do produto, do que as indústrias nas nações desenvolvidas. “Agora temos de focar na conservação”, diz Ma Jun, importante ambientalista e autor de “China’s Water Crisis” (A Crise da Água na China).“Nós não temos muitos recursos hídricos extras. Temos os mesmos recursos e muito mais pressão de crescimento”, acrescentou.

No passado, o Partido Comunista recorreu a projetos de engenharia para resolver problemas envolvendo o suprimento de água. Agora, o governo está lançando mão de um dos esquemas de Mao Zedong que não foram concretizados: o Projeto de Transferência de Água do sul para o norte, a um custo de US$ 62 bilhões, para canalizar 45 bilhões de metros cúbicos, ou 12 trilhões de galões, em direção ao norte todos os anos por meio de três rotas a partir da bacia do rio Yangtze, onde a água é mais abundante. O projeto, se concretizado, seria concluído em 2050. As linhas leste e central já estão em construção; a linha oeste, a mais controversa devido a preocupações ambientais, continua ainda em fase de planejamento.

Sem dúvida, a planície do norte da China necessita de todo volume de água a que conseguir ter acesso. Uma máquina econômica com mais de 200 milhões de habitantes, a região é carente de chuvas e depende das águas subterrâneas para 60 por cento de seu suprimento de água. Outros países têm lençóis de água que estão sendo drenados a níveis perigosamente baixos, como Iêmen, Índia, México e Estados Unidos. Mas cientistas alegam que os lençóis de água abaixo da planície do norte da China podem estar esgotados dentro de 30 anos.

“Não há incerteza”, disse Richard Evans, hidrólogo que trabalhou na China por duas décadas e serviu como consultou ao Banco Mundial e ao Ministério de Recursos Hídricos da China. “A taxa de declínio é muito clara, muito bem documentada. Eles vão ficam se água potável se a taxa atual continuar.”

Fora de Shijiazhuang, equipes de construção estão trabalhando na linha central do projeto de transferência de água, que vai fornecer para a cidade um fluxo de água a caminho de seu destino final, Beijing. Para muitos dos engenheiros e trabalhadores, a obra possui um brilho patriótico.

Embora muitos cientistas concordem que o projeto vai fornecer um importante fluxo de água, eles também afirmam que essa não é uma solução definitiva. Não se sabe quanto de água potável o projeto fornecerá. Além disso, os problemas de poluição já estão surgindo nas cidades da linha leste e, embora a indústria seja a beneficiária dessa nova água, o impacto na agricultura é limitado. A falta de água também deve continuar sendo um problema.

“Muitas pessoas estão perguntando: o que elas podem fazer?”, afirmou Zheng Chunmiao, importante especialista internacional em água subterrânea. “Elas não podem continuar com as práticas atuais. Elas têm de descobrir uma forma de deixar o problema sob controle.”

Desastre ecológico
Em uma manhã chuvosa e poluída de abril, Wang Baosheng saiu com seu utilitário fabricado na China de um shopping na região oeste de Beijing para uma viagem de três horas em direção ao sul. Essa viagem se tornou um passeio sobre a crise de água que atinge a planície do norte da China.

Wang viaja diversas vezes por mês a Shijiazhuang, onde ele é o engenheiro chefe que coordena a construção de cinco quilômetros da linha central do projeto de transferência de água. Uma garoa caía sobre o pára-brisa e Wang recitava um provérbio chinês sobre o valor das chuvas de primavera para os agricultores. Ele também notou um rio morto após outro à medida que seu carro percorria as margens áridas dos rios: Yongding, Yishui, Xia e, finalmente, Hutuo.

“Você vê todos esses riachos com pontes, mas não existe água”, contou Wang. Há cerca de cem anos, a planície do norte da China era um rico ecossistema, segundo cientistas. Os agricultores que furavam poços conseguiam encontrar água a cerca de dois metros e meio. Os riachos serpenteavam toda a região. Pântanos e nascentes naturais eram comuns.

Hoje, a região, do tamanho do Estado norte-americano do Novo México, está árida. A maioria dos pântanos secou, de acordo com um estudo. Cientistas afirmam que a maioria dos riachos naturais desapareceu. Muitos rios que já foram navegáveis agora são, em sua maioria, formados de poeira. O maior lago natural no norte da China, o lago Baiyangdian, está cada vez mais poluído.

O que aconteceu?
A lista inclui políticas mal orientadas, conseqüências involuntárias, uma explosão populacional, mudança climática e, em grande parte, forte crescimento econômico. Em 1963, uma enchente paralisou a região, fazendo com que Mao construísse um sistema de controle de enchentes de represas, reservatórios e vertedouros de concreto. O controle de enchentes melhorou, mas o equilíbrio ecológico foi alterado, uma vez que as represas começaram a obstruir rios que antes fluíam no leste, adentrando na planície do norte da China.

Gradualmente, os novos reservatórios tornaram-se os principais fornecedores de água para as cidades em crescimento, como Shijiazhuang. Os agricultores, os maiores usuários de água da região, começaram a depender quase que exclusivamente de poços. A precipitação de chuvas declinou – o que os cientistas acreditam ser uma conseqüência da mudança climática.

Antes, os agricultores compensavam a limitada precipitação de chuvas anual na região plantando somente três culturas a cada dois anos. Mas a água subterrânea parecia ilimitada e as políticas governamentais pressionaram por uma maior produção. Dessa forma, os agricultores começaram a plantar uma segunda cultura anual, geralmente trigo no inverno, o que exige muita água.

De acordo com estudos, nos anos 1970, o lençol freático já estava declinando. Em seguida, a morte de Mao e a introdução de reformas econômicas voltadas ao mercado estimularam um renascimento agrícola. A produção aumentou, assim como as rendas rurais. O lençol freático continuou diminuindo, secando os rios e pântanos.
A qualidade da água potável também piorou. A água de esgoto, geralmente sem tratamento, é jogada com freqüência nos rios e canais abertos. Zheng disse que estudos demonstram que cerca de três quartos de todo o sistema aqüífero estão sofrendo algum grau de contaminação.

“Não haverá desenvolvimento sustentável no futuro se não existir um suprimento de água potável”, disse Liu Changming, especialista em hidrologia na China e membro da Academia Chinesa de Ciências.

 
Milagre?
Há três décadas, quando Deng Xiaoping mudou o rumo da China de ideologia maoísta e levou o país em direção ao crescimento econômico, uma geração de tecnocratas gradualmente tomou o poder e começou a reconstruir um país praticamente destruído pela ideologia. Hoje, toda a liderança do Partido Comunista – incluindo Hu Jiintao, presidente da China e chefe do partido – foi treinada como engenheiros.

Embora não sejam membros da elite política, Wang Baosheng, o engenheiro do projeto de transferência de água, e seu colega Yang Guangjie têm a mesma origem. Nessa primavera, no canteiro de obras fora de Shijiazhuang, escavadoras mecânicas reviravam a terra em um corte em formato de V, enquanto equipes de trabalhadores com macacões azuis e capacetes alaranjados jogavam concreto sobre um canal será tão largo quanto um campo de futebol americano.

Yang, gerente da obra, compara o projeto de transferência de água com o represamento do rio Colorado, no oeste dos Estados Unidos, e com o sistema de desvio de água criado para a Califórnia no início do século 20. “Já estive na represa Hoover e realmente admiro as pessoas que construíram aquilo”, disse Yang. “Na época, elas estavam fazendo uma enorme contribuição para o desenvolvimento de seu país.” “Talvez sejamos como os Estados Unidos nos anos 1920 e 1930”, acrescentou. “Estamos construindo o país.”

A desvantagem da China, em comparação com os EUA, é que ela possui um menor suprimento de água, embora tenha cinco vezes mais pessoas. A China tem cerca de 7% dos recursos hídricos da Terra e perto de 20% de sua população. O país asiático também tem um grave desequilíbrio hídrico regional, com cerca de quatro quintos do suprimento de água no sul.

A visão de Mao de tomar água emprestada do Yangtze para o norte tinha uma simplicidade profunda, mas engenheiros e cientistas levaram décadas debatendo o projeto antes de o governo aprová-lo, em parte por desespero, em 2002. Hoje, a demanda é muito maior no norte e a qualidade da água deteriorou muito no sul. Cerca de 41% da água de esgoto da China são jogados no Yangtze, aumentando os temores de que a transferência de água potável para o norte irá exacerbar os problemas de poluição no sul.

As extensões superiores da linha central devem ser concluídas em tempo de fornecer água para Pequim para os Jogos Olímpicos do ano que vem. Evans denominou o projeto completo como “essencial”, mas acrescentou que o sucesso dependeria da prevenção do desperdício e da distribuição eficiente de água.

Liu disse que a agricultura não receberia a nova água e que as cidades e a indústria devem aprimorar rapidamente o tratamento de esgoto. Do contrário, segundo ele, as cidades utilizarão a nova água para jogar esgoto mais poluído. Atualmente, Shijiazhuang descarta o esgoto sem tratamento em um canal que os agricultores locais usam para irrigar as plantações.

E agora?

Para muitas pessoas que vivem na planície do norte da China,a noção de uma crise de abastecimento de água parece distante. Ninguém está rastejando em um deserto em busca de um oásis. Mas a cada ano, o lençol freático continua diminuindo. Em toda a China, o uso de água potável praticamente dobrou desde 1970 e agora corresponde a um quinto do uso total de água do país, de acordo com a Agência de Pesquisa Geológica da China.

O Partido Comunista tem consciência dos problemas. Uma nova lei de poluição hídrica, que aumentaria as multas contra os poluidores, está sob avaliação. Diferentes cidades costeiras estão construindo unidades de dessalinização.

Empresas multinacionais de tratamento de esgoto estão sendo recrutadas para ajudar a combater o enorme problema de esgoto. Muitos cientistas acreditam que grandes ganhos ainda podem ser alcançados com maior eficiência e conservação. No norte da China, projetos piloto estão em andamento para tentar reduzir a perda de água com as culturas de trigo no inverno. Algumas cidades aumentaram o preço da água para promover a conservação, mas ela continua sendo subsidiada na maioria dos lugares. Algumas cidades ao longo da rota do projeto de transferência de água estão recuando, devido aos preços altos previstos. Alguns afirmam que devem continuar extraindo água de poços.

Escolhas políticas duras parecem ser inevitáveis. Estudos feitos por diferentes cientistas concluíram que as crescentes demandas de água na planície do norte da China impossibilitam o plantio da cultura de inverno por parte dos agricultores. As ramificações internacionais seriam significativas se a China se tornasse um cliente cada vez maior dos mercados mundiais de grãos. Alguns analistas vêm alertando que os preços de grãos podem aumentar bastante, contribuindo para a inflação e dificultando a compra de alimentos por parte de outros países em desenvolvimento.
As implicações sociais também seriam significativas na China. Perto de Shijiazhuang, o vilarejo de agricultores de Wang Jingyan depende de poços com profundidade de 200 metros. A suspensão do plantio de trigo no inverno resultaria em um suicídio econômico.

“Perderíamos 60% ou 70% de nossa renda se não plantássemos o trigo no inverno”, disse Wang. “Todo mundo aqui planta trigo no inverno.” Outra proposta também é radical: uma ampla e rápida urbanização. Cientistas alegam que a conversão de terras aráveis em áreas urbanas salvaria água suficiente para conter a queda no lençol freático, ou até mesmo revertê-la, pois a agricultura ainda utiliza mais água que as áreas urbanas. É claro que a urbanização em larga escala, já em andamento, poderia piorar a qualidade do ar. O ar em Shijiazhuang já está entre os piores na China devido à pesada poluição industrial.

Por enquanto,a prioridade de Shijiazhuang, como a de outras grandes cidades chinesas, é crescer o mais rápido possível. O produto interno bruto da cidade cresceu a uma média de 10 por cento ao ano desde 1980, mesmo com a taxa de água disponível per capita da cidade esteja atualmente um trinta e três avos da média mundial. “Temos uma carência de água, mas temos de nos desenvolver”, disse Wang Yongli, engenheiro do departamento de conservação de água da cidade. “E o desenvolvimento será colocado em primeiro lugar.”

(Tradução: Eliza Muto, G1, 30/09/2007)


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