BOATO SOBRE ANEXAÇÃO DA AMAZÔNIA CIRCULA NA REDE E CAUSA CONFUSÃO
2001-11-30
Uma enxurrada de e-mails inunda a internet brasileira há um mês denunciando o fim da soberania nacional. A mensagem informa, em tom raivoso, a existência de um livro didático nos Estados Unidos no qual a Amazônia não integra mais o mapa brasileiro. As crianças americanas aprenderiam, desde a década de 80, que a região está sob tutela americana e da Organização das Nações Unidas. A correspondência eletrônica, refere-se ao vasto território como Former Internacional Reserve of Amazon Forest (Finraf). Algo traduzido por Ex-Reserva Internacional da Floresta Amazônica. Domingo passado, dia 25, até a agência de notícias France Press registrou o boato, baseado em uma nota da coluna Hildegard Angel, de O Globo desmentida pela própria colunista ontem. No mesmo dia, o Tribuna da Imprensa também caiu na esparrela. Antes, o Estado de S. Paulo havia publicado uma nota, em 23 de maio de 2000, com a história. Nos dias 12 e 14 de junho e em 06 de outubro do mesmo ano, desmentiu-a. A obra O livro, de autoria de um certo David Norman, não existe. Não está catalogado na Biblioteca do Congresso Americano, nem é de conhecimento da embaixada dos Estados Unidos no Brasil ou da embaixada do Brasil em Washington. Na biblioteca Thomas Jefferson, em Brasília, ninguém ouviu falar dele. Mesmo assim, a obra An introduction to geography, num piscar de olhos, corre pela rede mundial de computadores. Irritado com a repercussão, o Itamarty resolveu ontem começar a responder os e-mails. Um a um. Algumas mensagens que circulam sobre o tema anexam um facsímile da página 76 da suposta obra, contendo uma explicação detalhada sobre a tal reserva. Um mapa mostra as novas fronteiras da Floresta Amazônica. O capítulo sobre a América do Sul explica no tópico 3.5.5 como teria se formado o Finraf. -Por estar a Amazônia localizada na América do Sul, uma das regiões mais pobres da terra e cercada de países irresponsáveis, cruéis e autoritários. O texto ainda continua: -(A Amazônia) era parte de oito diferentes países selvagens, que, na maioria dos casos, são reinos de violência, tráfico de drogas, analfabetismo a de povos não-inteligentes e primitivos. Enfeitada por fotos de borboletas e balsas, a página discorre ainda sobre a suposta criação da Ex-reserva: -Foi apoiada por todas as nações do G-23 e foi realmente uma missão especial de nosso país (os EUA) e um presente para o mundo, já que a possessão dessas terras valiosas por tais países e povos primitivos poderia condenar os pulmões do mundo ao desaparecimento e total destruição em poucos anos. -Não existem livros, nem mapas, tudo não passa de manipulações grosseiras de brasileiros dotados de anti-imperialismo primitivo, diz o conselheiro da Embaixada do Brasil em Washington, Paulo Roberto Almeida. Desde que a fraude foi inicialmente observada em março de 2000, Almeida passou a reunir as mensagens da internet num dossiê, na tentativa de refazer a genealogia do boato. Acabou chegando à origem: o site Brasil, ame-o ou dei-xei-o (http://www.brasil.iwarp.com), organizado por brasileiros ultra-nacionalistas cuja identidade continua sendo um mistério. Eles teriam se apossado do endereço eletrônico da pesquisadora Michelle Zweede, do Brazil Center da Universidade do Texas, para enviar os primeiros e-mails denunciando o escandaloso livro. Posteriormente, o próprio site admitiu a fraude. Quem procurar, ainda o encontrará na rede. Consta que começou a funcionar em 15 de junho de 1999, mas não é atualizado desde 10 de junho de 2000. -O livro pode ser falsificação, mas que os americanos consideram aquela uma área internacional é ponto pacífico, acredita o professor de História Rubim Aquino, do Liceu Franco Brasileiro, no Rio. -As Forças Armadas deveriam se preocupar porque isso existe, diz o professor, filho de militares. Aquino conta que ouviu de amigos casos de alunos brasileiros que entraram em salas de aula de universidades americanas nas quais mapas do Brasil mostram a Amazônia como uma área internacional. -Nunca vi tais mapas, reage a antropóloga e brasilianista americana Linda Rabben, doutora em História da América Latina pela Universidade de Cornell. -É raro ver mapas do Brasil em universidades americanas. A população daqui dá pouca atenção ao Brasil, diz Linda. Ela acredita que, no Pentágono, militares tracem cenários que incluam a Amazônia, mas acha muito longe da realidade o planejamento de uma intervenção militar de qualquer tipo. Se há planos de internacionalização da Amazônia ou não, o fato é que o livro de que tratam os e-mails não existe. (Jornal do Brasil/29/11)