Empresas são obrigadas a cumprir decreto federal, que desrespeitam há quatro anos, e informar consumidores sobre a presença de transgênicos em seus produtos. Entidades reunidas no Fórum Nacional pela Reforma Agrária enviam carta a Lula pedindo anulação da liberação do milho transgênico.RIO DE JANEIRO – Se, por um lado, o poderoso lobby das indústrias do setor de biotecnologia parece mesmo contar com o apoio de parte do governo federal - mais especificamente do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) - em sua tentativa de facilitar a introdução dos transgênicos no Brasil, por outro terá de enfrentar a crescente oposição do movimento socioambientalista e também os diversos questionamentos que surgem na Justiça.
A 3ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou em setembro que os dois maiores fabricantes de óleo de soja no Brasil - as transnacionais Bunge e Cargill - passem a rotular seus produtos como transgênicos. Líderes de mercado, os óleos Soya e Liza estão sendo produzidos com soja transgênica pelas empresas há anos, mas essa informação não é passada aos consumidores, apesar de a obrigatoriedade da rotulagem ter sido estabelecida por decreto federal em 2003 e, dois anos depois, confirmada pela Lei de Biossegurança.
De acordo com a determinação da Justiça, as empresas terão que incluir nas embalagens dos produtos o rótulo com a imagem de um triângulo amarelo com a letra T no meio e a informação de que o óleo foi feito com matéria-prima transgênica: “O Código do Consumidor assegura o direito à informação sobre toda característica relevante dos produtos. No caso dos transgênicos, há também normais legais específicas a fazer obrigatória a informação ao consumidor, seja na Lei da Biossegurança (Lei 11.105/05), seja no Decreto Federal 4.680, de 2003”, afirma o texto da ação. As empresas têm 30 dias para se adequar ao que foi determinado.
A decisão da Justiça paulista atendeu a uma solicitação do Ministério Público Estadual realizada a partir de uma denúncia feita pelo Greenpeace em 2005, dando conta de que a Bunge e a Cargill estavam utilizando soja transgênica para produzir os óleos Soya e Liza (e também as marcas secundárias Primor e Olívia). Na ocasião, uma amostra dos produtos comprovando a utilização de soja transgênica em sua fabricação foi enviada ao Congresso Nacional e aos ministérios da Saúde, do Meio Ambiente, da Justiça, da Agricultura e da Ciência e Tecnologia, além do Ministério Público.
Segundo o estabelecido pela Lei de Biossegurança, todos os produtos fabricados com mais de 1% de organismos geneticamente modificados devem trazer essa informação em um rótulo bem visível em sua embalagem. Isso vale mesmo para produtos como o óleo, a maionese e a margarina, nos quais não é possível detectar o DNA transgênico. No entanto, as empresas - e não somente a Bunge e a Cargill - sempre ignoraram o que diz a lei, e até hoje nenhum produto rotulado como transgênico pode ser encontrado nas prateleiras dos supermercados brasileiros.
A expectativa do movimento socioambientalista, agora, é que a decisão envolvendo dois produtos de peso como os óleos Soya e Liza possa desencadear finalmente um processo sério de rotulagem: “Essa é uma grande vitória para todos os brasileiros”, afirma Gabriela Vuolo, que é coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace Brasil. “A ação do MP garante o direito à informação dos consumidores. É vergonhoso que a Justiça precise forçar as empresas a cumprir a lei”, diz.
Gabriela pede maior respeito aos consumidores: “Esperamos que esse caso sirva de exemplo para outras empresas que não respeitam os direitos dos seus consumidores. Já está claro que os brasileiros não querem comer transgênicos. Então, é fundamental que eles sejam informados sobre o que estão comprando para poderem exercer o seu direito de escolha. Isso está garantido pelo Código de Defesa do Consumidor e precisa ser respeitado”.
Carta enviada a LulaSe a soja transgênica já é um fato consumado, os setores da sociedade que defendem o princípio da precaução se esforçam para evitar que o mesmo aconteça com o milho. Reunidas no começo do mês, as entidades que constituem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária - entre elas CUT, MST, Contag, Fetraf, CPT e Cáritas - encaminharam uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na qual questionam a liberação para plantio comercial do milho transgênico Liberty Link, desenvolvido pela Bayer. Esse questionamento se estende aos milhos transgênicos desenvolvidos pela Monsanto e pela Syngenta, que foram posteriormente liberados pela comissão.
Na carta enviada a Lula, as entidades afirmam que a liberação do milho transgênico pode destruir a agricultura familiar e camponesa do país: “A liberação comercial dos transgênicos é uma séria ameaça às sementes crioulas e pode inviabilizar a continuidade da construção de um modelo sustentável de agricultura baseado na agroecologia”, afirma o documento. As organizações dos movimentos sociais pedem também que o presidente interfira no processo e determine ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) que suspenda as liberações comerciais dos transgênicos, além de editar regras que assegurem a coexistência das espécies transgênicas com as espécies convencionais.
Também não faltam na carta encaminhado a Lula críticas à CTNBio. As entidades afirmam que “a visão da comissão está viciada, já que a maioria de seus membros está comprometida com o desenvolvimento de transgênicos e não com a avaliação de seus impactos. Além disso, vários integrantes da comissão possuem conflitos de interesse e fazem pesquisas e pareceres para as empresas transnacionais que dominam o mercado de transgenia”, afirma o documento.
(Por Maurício Thuswohl,
Agencia Carta Maior, 27/09/2007)