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operação moeda verde
2007-09-26
Falar de favela de ricos parece um contra-senso? Realmente é. Mas, por inacreditável que pareça isso existe. E não se fala de ricos normais, senão de gente muito rica, na sua maioria milionária. A maior favela de ricos do país é, sem dúvida, Jurere Internacional, na ilha de Santa Catarina.

Quando escutei o termo “favela de ricos” aplicado a Jurere Internacional, no começo, não compreendi. Como o bairro mais chique, mais elegante e famoso da ilha pode ser qualificado de favela? Pois, na verdade, favela mesmo não é, embora seja muito parecido. O que define uma favela? À parte do contexto social, as favelas se caracterizam pela ilegalidade; pela proximidade excessiva de uma moradia com as outras, eliminando a privacidade; pela falta de áreas verdes e, em especial pela falta de jardins nas próprias residências e; claro, porque nelas se refugiam bandidos importantes, ou porque servem para esconder dinheiro de procedência obscura, armas e drogas.

Curiosamente, em Jurere Internacional se dão muitas dessas características. Ilegalidade individual quiçá não exista, exceto na ocupação dos 100% do terreno para a construção; mas, ilegalidade geral, de fato, existe, pois o bairro está obviamente instalado em uma restinga, ou seja, uma área de preservação permanente pelo efeito da lei. Além disso, o bairro não conta com áreas verdes adequadamente distribuídas. Parece que as praias foram incluídas no cálculo da área verde. De outra parte, os terrenos onde os ricos constroem seus palácios, em Jurere Internacional, são muito pequenos, tanto que não podem reservar nem sequer um metro quadrado para jardim. Assim, cada centímetro do terreno tem que ser usado para demonstrar que a sua residência é a mais luxuosa, grande e maravilhosa da rua, ou do bairro. Então as mansões, que exceto aquelas da primeira fileira não têm vista ao mar, salvo se subindo ao segundo andar ou no teto, só se vê um oceano de casas e ficam tão próximas umas das outras que ninguém consegue ignorar o cheiro de churrasco, nem evitar escutar os gritos destemperados do vizinho quando reúne seus amigões para beber whisky; nem o ruído emitido pelo gigantesco home theater ou pela bateria de música do filho nem, tampouco; evitar ser despertado às quatro horas da madrugada, devido às batidas, brigas, gritos e sirenes de polícia e ambulâncias, decorrentes das competições automobilísticas dos filhinhos de papai, devidamente saturados de álcool ou substâncias piores. De outra parte, como bem se sabe, Jurere Internacional tem também sido refúgio de bandidos de calibre tão internacional como seu próprio nome e, é evidente, que tanto dinheiro investido deve ter, em muitos casos, outros propósitos, não necessariamente católicos.

E, para comparar, o que caracteriza um verdadeiro bairro requintado em uma ilha paradisíaca como Santa Catarina? São as residências igualmente espaçosas, mas, com muito mais espaço ao redor para jardins, engalanados com exuberantes plantas nativas, ou até um pedaço da Mata Atlântica e, por cima de tudo, com uma bela vista do mar ou da lagoa e das montanhas. Em um bairro elegante de verdade, existem muitas áreas verdes e nem sequer se vislumbra a casa do vizinho, de onde não chega nem barulhos, nem odores. A discrição é a regra em bairros chiques e, por isso, em geral, as suas residências nem podem ser vistas desde a rua. Na ilha existem muitos bairros assim que sob nenhum conceito poderiam ser catalogados de favelas.

Então, se Jurere Internacional não é o lugar dos verdadeiros ricos, que coisa é? Para começar deve se lembrar que ser rico não implica automaticamente em ter bom gosto, nem ser fino. Jurere Internacional é uma imitação de um bairro de gente “meio” rica ou de “novos ricos” da Flórida, onde geralmente prima a vulgaridade. O objetivo principal dos donos das residências parece ser, simplesmente, mostrar ou demonstrar as suas riquezas reais ou aparentes. As casas na sua maioria parecem castelos com torres e outras formas arredondadas ou, seguindo o capricho dos arquitetos da moda, outras parecem blocos ministeriais altos e de linhas retas. Nenhuma mansão escapa de ter as suas entradas com portas e escadas monumentais e, claro, muitas colunas no melhor estilo da Roma imperial. As garagens enormes acolhem até uma dezena de carros, as piscinas são temperadas, os pisos são esquentados eletronicamente, as persianas funcionam a controle remoto, as cozinhas serviriam para hotéis de tamanho médio, o número de cômodos é para um batalhão de empregados domésticos e outro de hóspedes. Os jardins exteriores, esses que a lei não lhes permitiu transformar em concreto, são bem tristes, com umas poucas plantas podadas até as almas, todas exóticas e ridículas. O mais impressionante é saber que ninguém mora na maioria dessas casas, que são ocupadas apenas uns poucos meses por ano. Mas, muitas outras têm uso ainda mais limitado, às vezes apenas um par de semanas a cada ano.

Durante o verão, Jurere Internacional deixa de ser uma vila fantasma para se transformar em favela densamente povoada. Milhares chegam lá, juntos e subitamente, bem a tempo de mostrar a todos o último carrão importado adquirido e, também, a lancha nova. Nesse breve período em que a maior parte das casas é ocupada, não tem lugar nem para estacionar, os restaurantes e as barracas ficam cheios e o barulho urbano alcança seu máximo. Mas, os favelados ricos gostam do que lá acontece e não trocariam essa experiência por nada no mundo.

Afinal cada um pode fazer o que quer da sua vida e de seu dinheiro. De outra parte, Jurere Internacional não é a única favela de ricos que por aqui existe e não faz mais dano aos demais que qualquer outra favela ou bairro da ilha. Inclusive, e que eles me perdoem, tem gente que também mora o ano todo em Jurere Internacional, que não corresponde para nada à descrição prévia... Mas, não pude resistir à tentação de caçoar um pouco do que existe lá. Esquecia: O termo “favela de ricos”, que inspirou esta nota, não é meu. Foi dado por um “mané” legítimo.

(Por Marc Dourojeanni, O Eco, 20/09/2007)
Foi professor e decano da Faculdade Florestal da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru e Diretor Geral Florestal desse país. Atualmente é Presidente da Fundação ProNaturaleza.

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