Declaração do presidente na ONU é contrariada pelos números Nada do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem (25) na Organização das Nações Unidas (ONU) trouxe novidades ou avanços da posição brasileira sobre como enfrentar o aquecimento global. A afirmação de que o desmatamento na Amazônia está sob controle, no entanto, é desmentida por números que mostram apenas uma queda temporária, ainda que significativa.
Lula repetiu uma cartilha que tem sido defendida à exaustão pelo Itamaraty, a despeito das críticas crescentes internas e externas à posição. Ele falou, por exemplo, que o País tem combatido a crise climática com o controle do desmatamento e o investimento em biocombustíveis, em especial o etanol da cana-de-açúcar.
O desmatamento e as queimadas da Amazônia são a principal contribuição brasileira ao efeito estufa, problema criado pela concentração de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera. As últimas medições oficiais e independentes mostraram uma queda acumulada no ritmo do corte em 52% nos últimos anos - que, por sua vez, evita a emissão de carbono.
“Não é obra do acaso”, disse o presidente. Para a secretária-geral da ONG WWF-Brasil, Denise Hamú, “realmente não foi ‘obra do acaso’, pois não foi um único ator que fez o desmatamento cair - também houve a queda do preço das commodities e a queda do dólar”.
Os recentes números do desmatamento em Mato Grosso (que, ao lado do Pará, é o Estado que mais derruba floresta no País) reforçam a ligação: eles mostram o aumento da derrubada na última estação de seca amazônica, numa taxa de 200% em relação ao mesmo período de 2006. O desmatamento segue a recuperação dos preços das commodities, especialmente o da soja. A estratégia do governo aparentemente não resistiu ao mercado.
REPETIÇÃO
Também em relação à Amazônia, Lula voltou a citar uma idéia apresentada pela delegação brasileira em fóruns internacionais sobre clima: “a adoção de incentivos econômico-financeiros que estimulem a redução do desmatamento em escala global.” O plano do Brasil é pedir às nações ricas que alimentem voluntariamente um fundo de compensação que seria repassado aos países para manterem suas florestas de pé.
A idéia não foi bem recebida nas reuniões sobre o tema até agora. “É uma proposta mal formulada, que depende de filantropia”, afirma José Goldemberg, ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo e pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.
Lula voltou a repetir que a responsabilidade pelo controle do efeito estufa é comum, porém diferenciada. Ou seja, os países desenvolvidos devem pagar uma conta maior do que os emergentes e os pobres porque emitiram mais carbono na atmosfera por mais tempo, a fim de crescer e enriquecer.
O conceito é amplamente aceito dentro da Convenção do Clima da ONU. Contudo, Brasil, China e Índia (grupo conhecido como Bric) têm sido criticados duramente por usarem essa concepção erroneamente. O Bric não aceita metas de redução dos gases-estufa a partir de 2013, quando o Protocolo de Kyoto perde o valor - hoje, apenas os países desenvolvidos seguem metas -, pois afirma que não pode crescer sem emitir.
Os ricos, por outro lado, dizem que o Bric não pode ficar mais de fora. A China será em breve a principal emissora de gases-estufa do mundo, colocando os Estados Unidos em segundo lugar. O Brasil fica entre a quarta e a quinta posição. “Se você está num barco afundando, não fica discutindo quem fez o buraco maior”, diz Goldemberg.
PROPAGANDACom o mesmo anacronismo com que defendeu o controle do desmatamento, Lula apresentou os biocombustíveis como uma solução para problemas que vão da crise climática à pobreza do mundo. “O etanol e o biodiesel podem abrir excelentes oportunidades para mais de uma centena de países pobres e em desenvolvimento na América Latina, na Ásia e, sobretudo, na África. Podem gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar”, disse.
“É um exagero. E, quando se exagera assim, as pessoas não costumam levar muito a sério”, diz Goldemberg, atualmente pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. “Parece panacéia, como se fosse uma solução para tudo”, afirma Denise.
O etanol, comparado à gasolina e ao diesel, é a alternativa mais limpa de geração de energia. Contudo, seguindo a experiência brasileira, ele pode também incentivar a monocultura e o desmatamento excessivo para abertura de novos campos de cultivo.
(Por Cristina Amorim,
O Estado de S.Paulo, 26/09/2007)