"A mudança climática causará danos dramáticos se nós não chegarmos a um acordo", declarou a Primeira Ministra alemã, Angela Merkel. A velha retórica foi repetida segunda-feira (24/09) em Nova York, durante a reunião de cúpula extraordinária da ONU. Frau Merkel lembrou aos 70 chefes de Estado presentes, que em junho o G8 já havia proposto a redução pela metade das emissões de gases estufa dos países ricos. Ela só esqueceu de mencionar que a meta proposta era voluntária e poderia ser atingida até 2050. Quer dizer, cumpre quem quer.
Comparando dados, ficam mais fortes os indícios de que tudo não passa de um jogo de cena. Há semanas cientistas, organismos internacionais e ambientalistas vêm reforçando os alertas. Ainda em agosto pesquisadores britânicos disseram ser inevitável o completo colapso da plataforma de gelo da Groenlândia, o que elevaria em sete metros o nível do mar.
Semana passada instituições de pesquisa dos EUA e Europa divulgaram o novo recorde no derretimento do Ártico. O recuo do gelo segundo os dados foi de um milhão de quilômetros quadrados em relação ao último recorde, registrado em 2005.
No início de Setembro a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) chamou atenção para a séria ameaça à segurança alimentar mundial. "A agricultura é hoje o setor mais afetado pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global", declarou o subdiretor-geral da FAO, Alexander Muller.
Essas notícias talvez tenham influenciado Angela Merkel a dizer que o combate ao aquecimento global "é uma necessidade moral e econômica", se considerados os potenciais prejuízos. Mas nem mesmo apelos como esse sensibilizaram George W. Bush, que já havia comunicado sua ausência no encontro em Nova York. E ninguém ousou protestar.
Segundo a representante dos EUA na cúpula, Condoleezza Rice, a política do país para o combate ao aquecimento global aposta em novas tecnologias, e não na mudança de paradigmas de produção. Nesse aspecto Estados Unidos e Alemanha têm mais coisas em comum do que se imagina.
Apesar de um discurso de liderança mundial nas negociações sobre emissões de gases estufa, internamente a política alemã é quase que exclusivamente baseada na melhoria da eficiência energética. Ou seja, novas tecnologias para produção e distribuição de energia poderiam representar uma redução progressiva de até 3% ao ano das emissões de CO2. Mais que isso o risco político é considerado demasiado grande.
Durante a Feira de Automóveis de Frankfurt, a maior da Europa, realizada este mês, o ministro alemão do meio ambiente, Sigmar Gabriel (Social Democrata), tentou enfrentar o lobby das montadoras multinacionais. "Fora do trabalho eu já não ando mais de carro", disse ele durante o evento. Entre as propostas apresentadas pelo ministro está uma recorrente dos partidos de esquerda. Um imposto extra a incidir sobre a venda de carros de luxo.
A resposta das montadoras foi tão rápida, quanto maquiavélica. "Nós sabemos o que o público espera de nós", declarou o presidente da Daimler-Chrysler, Dieter Zetsche. Em seguida a Federação Alemã de Fabricantes Automotivos declarou que a proposta poderia provocar demissões no setor. Como numa reação em cadeia os sindicatos ameaçaram greve, e o governo recuou da proposta.
O fato é que apesar da aparente histeria mundial, cidadãos, empresas e governos parecem ter outras prioridades, além das suas emissões de CO2. A manchete do Berliner Zeitung de hoje explicita bem isso. "Salários atuais são mais baixos que os de 1992".
(Por Mariano Senna, Ambiente JÁ com informações do The New York Times e Berliner Zeitung, 25/09/2007)