Um dos pontos que devem gerar polêmica na Política Nacional de Resíduos Sólidos, encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional, trata da importação de pneus usados para serem recauchutados no Brasil. O secretário de Recursos Hídricos e Ambientes Urbanos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Luciano Zica, explica que a proposta não especifica os produtos cuja importação será proibida, mas defende que os pneus entrem nessa lista .
“Nós já temos 42 milhões de pneus usados por ano para tratar aqui no Brasil. Se fosse bom importar pneus, a Europa, ao invés de exportar pagando caro para tirar os pneus de lá, estaria importando”, argumenta. Para Zica, o pneu é danoso ao meio ambiente e à saúde, e cada país deve cuidar dos resíduos que gera. “Nós já temos os nossos para cuidar, não temos que querer cuidar dos outros.”
O artigo 30 do projeto encaminhado pelo governo diz que será proibida a importação de resíduos sólidos e rejeitos cujas características causem danos ao meio ambiente e à saúde pública, ainda que para tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação. Segundo Zica, caberá aos órgãos técnicos dos ministérios a definição de quais produtos poderão ou não ser importados.
“Se for provado que o pneu não é danoso ao meio ambiente e à saúde, ele poderá ser importado. Agora, na minha opinião, o pneu faz mal e vou trabalhar para que seja proibida a importação”, comenta Zica.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip), Francisco Simeão, o projeto do governo é considerado “natimorto”, ou seja, já nasce morto. Ele diz que a proposta é um retrocesso, pois não traz as soluções de que o Brasil precisa. Simeão avalia que o projeto será rejeitado no Congresso, pois é “frágil” e não traz novidades em relação a propostas analisadas anteriormente. De acordo com a Abip, no ano passado foram importados 7,1 milhões de pneus usados.
Simeão diz ainda que existe um preconceito contra os pneus usados importados. “A recauchutagem de pneus usados gera quatro empregos para cada um gerado na robotizada indústria de pneus novos, que não cumpre as suas obrigações ambientais.” E reclama do que chama de “luta de mercado”, ou seja, a resistência das indústrias de pneus novos.
“Os pneus remoldados que produzimos a partir da matéria-prima importada são vendidos ao consumidor com garantia de cinco anos, são aprovados e atestados pelo Inmetro com a mesma durabilidade e segurança dos pneus novos, e são vendidos 40% mais baratos. Portanto, é uma massa crítica insuportável para os fabricantes de pneus novos, que tiveram de baixar os preços”, afirma. Segundo Simeão, os pneus novos mais populares são vendidos por cerca de R$ 200, enquanto os remoldados custam em média R$ 120.
Francisco Simeão afirma que não é possível recauchutar os pneus fabricados no Brasil. Segundo ele, além da qualidade inferior dos produtos, as estradas brasileiras são ruins e os usuários têm pouco cuidado com os pneus. Enquanto isso, diz ele, os pneus fabricados na Europa, por exemplo, têm estrutura mais forte, as estradas são melhores e os usuários são mais cuidadosos.
Apesar de acreditar que a proposta não será aprovada no Congresso, Simeão faz uma projeção para o cenário brasileiro, caso seja proibida a importação de pneus. “As fábricas brasileiras, que hoje empregam 10 mil pessoas, iriam para países do Mercosul, como Uruguai e Paraguai, e lá, de forma livre, importariam as carcaças de pneus usados e exportariam os pneus remoldados para o Brasil, uma vez que já existe uma decisão do Mercosul pela qual o Brasil é obrigado a receber pneus remoldados dos países do bloco”, afirma.
Para o empresário e ex-deputado Emerson Kapaz, que foi o relator da Comissão Especial de Resíduos Sólidos da Câmara dos Deputados, “é hora de comprar essa briga de uma vez por todas”. Ele reconhece que as pressões contra a tentativa de impedir a importação de pneus usados são fortes, mas diz que a proposta tem que ser aprovada. “É preciso muito cuidado, porque o lobby dos importadores de carcaças de pneus usados para recauchutagem é muito forte, ele tem tentáculos em todos os partidos”, afirma.
A importação de pneus usados vem motivando uma batalha judicial nos últimos anos. No ano passado, a Presidência da República, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), ingressou com um questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisões em todo o país que autorizaram a importação de pneus usados. Segundo a AGU, desde 1991 diversas portarias e decretos foram editados para proibir essa importação, mas uma série de decisões judiciais vem autorizando a entrada dos pneus usados no país. A questão continua em análise, sem previsão de conclusão, no tribunal.
Além disso, o Brasil venceu uma disputa sobre o assunto, contra a União Européia (UE), na Organização Mundial do Comércio (OMC). Com isso, foi autorizado a manter o veto ao ingresso desse tipo de material.
(
Agência Brasil, 23/09/2007)