Durante dois dias, o representante da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Brice Lalonde, esteve entre empresários, políticos e especialistas que, devidamente engravatados, discutiram no Rio de Janeiro estratégias para viabilizar economicamente o desenvolvimento sustentável. Lalonde, que é ex-ativista ambiental do Greenpeace e ex-ministro do Meio Ambiente da França, acredita que o mundo hoje é menos romântico quando o assunto é preservação ambiental. Em 1968, ele participou dos protestos que pararam a França. Agora, defende que os jovens sejam orientados para a busca da eficiência, mas reconhece a importância de ter pessoas "que nos digam que amanhã será melhor do que hoje".
- Ainda há pessoas ruins em todo lugar, ainda há escândalos, ainda há poluição, então nós continuamos precisando de pessoas como as do Greenpeace. Mas, cada vez mais, pessoas de mercado, produtores, prefeitos, professores, pessoas que estão, de fato, transformando a maneira como vivemos - disse Lalonde em entrevista ao GLOBO ONLINE, durante a Conferência Rio+15, realizada entre quarta e quinta-feira, no hotel Copacabana Palace.
Lalonde destacou a importância de investir na eficiência energética para reduzir as emissões de gases do efeito estufa que provocam o aquecimento global. Ele disse acreditar que ferramentas de mercado, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) - que estabelece o mercado de créditos de carbono - estão funcionando, mas não o suficiente. Entre as pendências, está a necessidade de os países em desenvolvimento adotarem padrões que garantam a eficiência energética. Ainda assim, Lalonde acredita que os países pobres podem colaborar com o combate às mudanças climáticas sem parar de crescer. Leia a entrevista:
O GLOBO ONLINE:O senhor participou dos eventos de maio de 1968 na França. O que os jovens podem fazer hoje para se envolver mais com as questões ambientais?
LALONDE: Eu acho que, hoje, é normal se preocupar com o meio ambiente, é algo que faz parte do senso comum. Pessoas da minha idade acham que é algo excepcional, um esforço. Mas acho que os jovens hoje em dia são menos românticos do que nós fomos. Eles são muito mais orientados para o mercado e para a eficiência. Na conferência que tivemos, vimos muitos jovens ligados a empresas, ao mercado financeiro e até à política, pessoas mais jovens do que vemos na Europa. Eu diria que o melhor a se fazer agora é encontrar maneiras de ser muito eficiente.
O GLOBO ONLINE: E o que fazer para tornar esses jovens mais otimistas em relação à preservação do meio ambiente? O senhor disse que eles são menos românticos. Isso é bom?
LALONDE: Para dizer a verdade, eu não sei. Eu acho que você deve ser um pouco romântico em relação à idéia de que pensar em uma nova maneira de viver junto é necessário. Essa nova maneira se faz com combate às mudanças climáticas. Isso é o que está faltando hoje. Nós perdemos um pouco da imagem de uma nova sociedade, com uma nova forma de viver, o que não traz esperanças para o meio ambiente. Nós precisamos ter artistas, pintores, religiosos e grupos ativistas que nos digam que amanhã será melhor do que hoje.
O GLOBO ONLINE: O senhor trabalhou com o Greenpeace. As estratégias usadas pelo grupo ainda funcionam hoje ou deveriam ser revistas?
LALONDE: Em termos gerais, agora nós precisamos agora de pessoas para fazer o trabalho, para dividir o que pode ser feito, construir, produzir numa nova maneira. Nós precisamos menos de conversas, grupos fiscalizadores, pessoas que nos alertem. Nós já fomos suficientemente alertados sobre o que fazer. Nós precisamos agir. Mas é verdade que às vezes você tem uma poluição enorme, um grande escândalo em algum lugar, acontece de vez em quando, e aí é muito bom ter o Greenpeace. O Greenpeace é orientado, em geral, para agir para a mídia, para a televisão. Ainda há pessoas ruins em todo lugar, ainda há escândalos, ainda há poluição, então nós continuamos precisando de pessoas como as do Greenpeace. Mas, cada vez mais, pessoas de mercado, produtores, prefeitos, professores, pessoas que estão, de fato, transformando a maneira como vivemos. O Greenpeace, uma vez, produziu um refrigerador. Eu me lembro disso. Nós precisamos de pessoas assim, que produzam aquilo que nós precisamos: mecanismos que economizem energia, carros que não gastem tanto combustível, coisas assim.
O GLOBO ONLINE:Qual é a sua análise sobre os mecanismos econômicos que existem hoje, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo? Eles estão funcionando?
LALONDE: Eles estão funcionando, mas não o suficiente. Nós precisamos de três coisas, agora. Nós precisamos que os países pobres estabeleçam um preço para o carbono. Nós podemos estabelecer um preço de duas maneiras: ou você adota um imposto - aí, cada cidadão pagaria quando usasse o carro, por exemplo - ou você tem um sistema de mercado de capitais, como nós temos na União Européia. De qualquer forma, você tem que fazer isso. Se não fizer, não ajudará novas tecnologias a aparecerem. Então, é necessário estabelecer um preço para o carbono. Em segundo lugar, você deve ter padrões de eficiência energética, que é, provavelmente, a maneira mais simples, barata e eficiente para reduzir emissões de gases do efeito estufa.
O GLOBO ONLINE: E é possível fazer isso hoje?
LALONDE: Sim, absolutamente. E mais do que isso, é absolutamente necessário. Hoje em dia, as pessoas quando vão construir uma casa, precisam construir casas eficientes. Quando uma casa é construída, ela fica aqui por anos. Precisamos de padrões para carros, e coisas assim, que os governos podem fazer precisamente agora. E a terceira coisa que os governos podem fazer é incentivar novas tecnologias. Então, mesmo não tendo um novo acordo como Kyoto, isso pode ser feito. As negociações internacionais são mais complicadas.
O GLOBO ONLINE: Em relação ao desmatamento, esse assunto deveria ser incluído nos acordos internacionais?
LALONDE: Eu acho que pode ser incluído e vai ser incluído, um dia. Mas o que nossa discussão mostrou é que nós temos que ter certezas de longo prazo. Quando se fala de árvores e florestas, você tem que ter garantias de que vão se manter por um tempo longo, você precisa estar certo de que a floresta não vai ser destruída. Isso não está completamente pronto. Eu tenho certeza que o desmatamento será uma parte das discussões na conferência das Nações Unidas em Bali, mas não está terminada agora.
O GLOBO ONLINE: Maurice Strong disse na abertura da conferência que os países desenvolvidos podem colaboradores com a redução das emissões sem frear seu processo de crescimento. Qual a posição da OCDE em relação a isso?
LALONDE: Nós concordamos com Maurice Strong, é claro. Com tecnologia eles podem fazer muita coisa. Eficiência energética é, provavelmente, mecanismo para a maioria dos países em desenvolvimento. Eles devem tomar mais cuidado com a eficiência energética e com os padrões.
O GLOBO ONLINE:E qual a importância do biodiesel brasileiro nesse cenário?
LALONDE: Para dizer a verdade, nós acreditamos que não há muitos Brasis no mundo. Existe um Brasil que trabalha pelos biocombustíveis há 30 anos. Não é uma coisa que aconteceu agora. Houve um longo trabalho. E, em segundo lugar, é um país enorme, com muitas terras, com muitas terras não habitadas, e então muitas coisas são possíveis aqui, especialmente porque é um país tropical, onde há água disponível. Nos países do Norte - nos Estados Unidos e na Europa - a natureza é muito menos generosa. Não temos cana de açúcar crescendo, e a competição pela terra está fazendo subir os preços das comidas. O problema é que, provavelmente, vamos para a segunda fase (do compromisso, prevista no Protocolo de Kyoto para depois de 2012) o mais rápido possível e os investimentos em biodiesel não serão úteis para a segunda fase. O problema é que você não deve ter muitas expectativas na primeira fase em países em desenvolvimento, mas - e isso é muito importante - como é mais fácil os biocombustíveis crescerem em países tropicais, isso se tornou uma questão comercial, e para alguns países na Europa ou para os EUA isso faz mais sentido.
O GLOBO ONLINE: Um relatório divulgado este mês pela OCDE mostra que é possível fazer grandes reduções nas emissões de gases do efeito estufa, a custos relativamente baixos, se as políticas corretas forem adotadas. Em resumo, quais seriam essas políticas?
LALONDE: Essas políticas seriam aquelas sobre as quais acabamos de conversar: garantir a eficiência energética, estabelecer um preço para o carbono. Com eficiência energética, você pode ter um retorno econômico agora. Determinando o preço do carbono, você tem novas tecnologias que passam a ser competitivas. Então, isso é algo que deve ser feito, de outra forma você segue o preço do petróleo a toda hora. Mas a coisa mais simples a se fazer é economizar energia. Isso fará uma diferença enorme agora por um preço muito baixo.
(Por Luisa Guedes, O Globo Online, 21/09/2007)