O presidente Lula, logo após o feriado de sete de setembro, realizou uma visita de uma semana à Europa, percorrendo quatro países escandinavos (Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega) e a Espanha. Em todos eles, o principal objetivo da viagem foi a apresentação do programa brasileiro de biocombustíveis. Lula repetiu nesses países o que têm dito em viagens anteriores: "Comprem o etanol brasileiro".
O tema dos biocombustíveis entrou na agenda mundial a partir da crescente consciência planetária de que a crise ambiental é grave e ameaça o planeta. Contribuiu para isso o relatório do IPCC divulgado em fevereiro de 2007. No Brasil, o tema ganhou projeção a partir da visita de Bush ao País em março desse ano e o País viu nos biocombustíveis uma possibilidade de se tornar competitivo no mercado internacional.
Desde então, os biocombustíveis se tornaram um tema central na pauta política do País. O Governo Lula, do entusiasmo com a produção de energia alternativa a partir de oleaginosas - vinculado a um programa de incentivo a pequenos agricultores - transitou para o tema do agrocombustível, a produção em larga escala do etanol a partir da monocultura da cana-de-açúcar.
O País passou a aguçar o interesse do mercado mundial e despertou uma verdadeira corrida estrangeira pelo álcool brasileiro gerando uma onda de investidores em território nacional, fazendo com que os preços das terras explodissem no País.
O etanol se tornou uma febre mundial. A pergunta a ser feita é: Quem se beneficia do etanol? Por detrás dessa commoditie está o discurso que se trata de um possível substituto do petróleo como combustível para o mercado mundial do transporte uma vez que os derivados do petróleo estão entre os maiores responsáveis pelo aquecimento global.
Porém poucos questionam que simplesmente substituir gasolina por etanol não irá resolver o problema. Na realidade o problema é mais grave. Não se está questionando a inviabilidade da "civilização do automóvel". Uma civilização em que cada um se acha no direito inalienável ao carro como meio de transporte individual. Dados alarmantes dão conta que apenas na capital paulista entram 870 carros por dia nas ruas da cidade. As montadoras estão vendendo 1 carro a cada 10 segundos.
É para essa 'civilização' - a 'civilização do automóvel' que está destinado o etanol. Como denunciou a Via Campesina se trata de uma lógica absurda de manter 800 milhões de automóveis e caminhões circulando pelas estradas às custas de barrigas vazias, uma vez que se diminuí a área agricultável para produção de alimentos.
Por detrás do carro ainda acontece diariamente uma verdadeira tragédia. Hoje no Brasil, os acidentes de trânsito no país respondem por 30 mil mortes e 350 mil feridos por ano impactando o orçamento do Sistema Único de Saúde.
Junto com o carro vem um outro problema: os pneus. O Brasil está virando um depósito de pneus usados. De 1990 a 2004, entraram no país mais de 34 milhões de pneus recauchutados. É o lixo que os países ricos não sabem o que fazer.
Há ainda um outro elo na cadeia produtiva do etanol. As condições de trabalho dos cortadores de cana. O corte da cana-de-açúcar é cada vez mais mecanizado. Entretanto, são muitos os que ainda vivem desse penoso trabalho. Edílson de Jesus Andrade foi mais uma vítima. Às vésperas do dia sete de setembro, ele preferiu trabalhar para descansar no feriado. Foi a última vez que Edilson usou seu podão. No feriado, foi internado se queixando de dores e sangramentos e morreu na madrugada. Foi a quinta morte de trabalhadores da cana neste ano no Estado de São Paulo e a 22ª no País desde 2004.
Lula, no exterior como caixeiro-viajante do etanol, a morte de mais um bóia-fria e o aumento de circulação de carros não são notícias desconexas. Estão linkadas pelo tema do biocombustível transformado em mercadoria pelo capital. Uma mercadoria que favorece apenas os ricos, privilegia a lógica do carro como transporte individual e penaliza milhares de trabalhadores no campo no corte da cana.
(Por Cesar Sanson*,
Biodiversidad en AL /
RadioagênciaNP, 20/09/2007)
*Pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutorando de Ciencias Sociais na UFPR. Esta análise foi feita em um trabalho conjunto com a equipe do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).