Às vésperas de duas importantes reuniões mundiais sobre o futuro do planeta diante das mudanças climáticas – uma da Organização das Nações Unidas (ONU) e outra convocada pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush –, o secretário da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, José Domingos Miguez adiantou as diretrizes brasileiras para os dois eventos. Ele também reforçou a posição do Brasil contra metas de redução de emissões para países em desenvolvimento e avaliou positivamente a influência cada vez mais forte do mercado nas questões relacionadas ao meio ambiente.
Em entrevista à Agência Brasil, o principal representante do governo brasileiro para o tema do aquecimento global afirmou que a ONU está “correndo” para que medidas regulatórias possam acompanhar o ritmo de crescimento do mercado.
Agência Brasil: Qual a posição do Brasil no cenário mundial de discussões sobre mudanças climáticas?
José Domingos Miguez: O Brasil tem um papel relevante nas discussões globais e isso é reconhecido por todo o mundo. O [Ministério das Relações Exteriores] Itamaraty tem um papel importantíssimo nas negociações. Normalmente, o Brasil faz a ponte entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, porque conhecemos as duas realidades: temos um pedaço do país desenvolvido e outro pedaço em desenvolvimento, conseguimos mediar os dois lados.
Nossa posição tem sido sempre de proposição, estamos sempre sugerindo idéias novas para avançar a negociação. O Brasil propôs em Kyoto a idéia de um Fundo de Desenvolvimento Limpo, que depois foi aperfeiçoada e, junto com os Estados Unidos, criamos a idéia do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, adotada pelo protocolo. Esse mecanismo trouxe um avanço enorme: hoje são 2.500 projetos executados em mais de 150 países em desenvolvimento, que estão mudando a cultura, estão buscando alternativas de redução de emissões, porque isso passa a ser uma oportunidade de negócios, de melhorar o processo, de reduzir o consumo de insumos, uma série de benefícios.
ABr: E em relação ao futuro das negociações?
Miguez: Para o futuro, nós estamos na negociação do segundo período do Protocolo de Kyoto. A posição do Brasil é de que as metas dos países desenvolvidos devem ser aprofundadas, mais estritas, mais fortes, para permitir que a cooperação internacional seja mais ampla e que países como Brasil, China e Índia participem desse esforço através do MDL, com mais projetos.
Estamos propondo uma alternativa, na Convenção, que é a criação de um organismo que incentive medidas de desenvolvimento sustentável, ou seja, em vez de ter metas de redução, esses países têm que ter incentivos que levem ao crescimento com menos emissão. Isso não se daria através de créditos de carbono, não daria autorização de emissão para os países desenvolvidos, mas permitiria que os países em desenvolvimento pudessem fazer mais pela redução das emissões.
ABr: Que diretrizes vão orientar a participação brasileira nas reuniões da ONU e do presidente George W.Bush sobre mudanças climáticas?
Miguez: O Brasil vai participar das duas reuniões, com uma delegação de alto nível na reunião do Bush e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai na Assembléia Geral da ONU, o que mostra que o Brasil dá toda a importância ao tema. O que vamos reafirmar é que o Brasil não se furta à colaboração internacional, ao contrário, estamos à frente desse processo, ajudando nas negociações, no avanço do Protocolo de Kyoto. Consideramos as Nações Unidas o local adequado para essas reuniões e para essas discussões, porque é um problema global, então tem que ser resolvido no âmbito das Nações Unidas e o Tratado de Kyoto é um instrumento que deve ser aprofundado para o segundo período de compromisso.
Nós não vemos a iniciativa do presidente Bush como um processo, vemos como uma reunião de negociação para discutir pontos de vista diferente, mas não um processo que deva continuar; o processo que a gente considera legítimo é no âmbito da ONU.
ABr: A reunião representa uma mudança de posição de Bush em relação ao aquecimento global?
Miguez: A iniciativa é positiva na medida em que o governo do presidente Bush pela primeira vez resolve tratar o tema da mudança do clima; nós ainda não temos claro o que vai acontecer, então queremos participar, entender melhor qual a proposta do governo americano e, aí sim, discutir os desdobramentos.
Na verdade, a posição do governo americano é uma posição soberana do país, que reflete o pensamento da sociedade. Então, é um problema de a sociedade norte-americana ter consciência da gravidade do problema e participar da solução. Para nós seria bastante importante que os Estados Unidos participassem do Protocolo de Quioto, porque isso iria permitir um grande avanço no desenvolvimento tecnológico, de processo, iria dar uma velocidade muito maior à implementação dos mecanismos como o MDL.
ABr: Há perspectivas de que essa adesão ocorra em breve?
Miguez: Esse é um processo de negociação do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto que deve se estender até 2010, essa decisão vai ser tomada não no atual governo, mas no próximo e é uma decisão que cabe à sociedade americana em geral.
ABr: Qual será o principal desafio da ONU na próxima reunião das partes (COP) em Bali (Indonésia), em dezembro?
Miguez: A gente espera que a reunião de Bali defina um cronograma de negociações. Esse processo é necessariamente lento, na medida em que os países vão construindo suas posições e vão escutando a posição dos outros. O que nos parece uma meta alcançável em Bali seria a construção desse cronograma, para traçar o que já é conhecido como o “Caminho desde Bali”, para traçar quais serão as marcas na estrada que vai desde Bali até 2009 ou 2010 e que permitam avanço contínuo e seguro das negociações.
ABr: As discussões econômicas estão substituindo as preocupações ecológicas em relação ao meio ambiente?
Miguez: É uma mudança de paradigma muito importante, porque pela primeira vez você tem, no âmbito das Nações Unidas, um mecanismo de mercado. E isso é uma mudança institucional na ONU, porque ela não está aparelhada para lidar com empresas, está aparelhada para lidar com governos. É extremamente importante na medida em que se identifica que quem causa as emissões é quem deve ser responsável por resolvê-las, por reduzi-las. É a primeira vez que se identifica quem são as fontes e se tenta atuar sobre as fontes, e não sobre os países, que é algo mais difuso. Ou seja, identifica-se diretamente quem são os emissores e tenta-se atuar sobre eles de uma maneira desenvolvimentista, não protecionista ou punitiva, que permita a implementação de mais ações ao menor custo para a sociedade.
É uma idéia extremamente positiva, que vem se desenvolvendo numa velocidade muito rápida e nós estamos correndo para que a institucionalidade, a parte regulatória, acompanhe e cresça junto com o mercado.
(Por Luana Lourenço, Agência Brasil, 22/09/2007)