Washington se nega a assinar um tratado internacional para eliminar rapidamente o uso de químicos que afetam a camada de ozônio. Delegados de 1919 países, reunidos 20 anos depois da assinatura do Protocolo de Montreal nesta cidade canadense, estão prestes a alcançar um acordo para reduzir os prazos contemplados inicialmente para sua proibição. Esse convênio estabeleceu o plano de ação para limitar o uso das substancias contaminantes. Porém, os Estados Unidos insistem em continuar utilizando o brometo de metil, um pesticida proibido pelo mal que causa na camada de ozônio, a qual protege os seres vivos da Terra dos raios solares ultravioletas.
Apesar de um outro enorme buraco de ozônio ter se formado esta semana sobre a Antártida, os delegados reunidos em Montreal parecem estar aceitando as demandas de Washington, embora o brometo de metil devesse ter seu uso suspenso nos países industrializados, em teoria, a partir de 1º de janeiro de 2005, segundo as disposições do Protocolo de Montreal. “É uma mancha nesta reunião. Estamos diante do produto químico que não deve ser nomeado”, disse à IPS David Doniger, diretor de política climática do não-governamental Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, com sede nos Estados Unidos. “Existe um poderoso grupo de pressão dos produtores de morango e vegetais em Washington”, acrescentou.
O brometo de metil é um pesticida altamente tóxico colocado na terra antes da semeadura. Também é usado logo depois da colheita para descontaminar produtos e as áreas de armazenagem. Embora seja muito efetivo para eliminar mato, insetos e roedores, provoca a redução da camada de ozônio e coloca em risco a saúde humana. Existem alternativas para 93% das aplicações deste produto. Mas, países como Estados Unidos, Israel e Japão argumentam que não têm outro caminho a seguir que não seja continuar usando esse produto devido às regulamentações, disponibilidade, custos e condições locais.
O Protocolo de Montreal contempla “exceções críticas” que permitem continuar utilizando substâncias proibidas por um curto período, até que se encontre um substituto. Em 2006, permitiu-se que os Estados Unidos usassem oito mil toneladas de brometo de metil, contra as cinco mil autorizadas para todos os demais países industrializados. Na reunião que termina hoje em Montreal, o comitê informativo sobre o uso desse pesticida fez referência a um “excelente avanço” na eliminação de seu uso e indicou que não recebera muitos pedidos de exceção à proibição.
Não é o caso dos Estados Unidos, que solicitou permissão para aplicar 6,5 mil toneladas em 2008 e cinco mil em 2009, enquanto o resto do mundo rico reduziu suas demandas para apenas 1,9 mil toneladas e 1,4 mil toneladas, respectivamente. O delegado da Suíça expressou sua preocupação diante do fato de alguns países reclamarem o uso de grandes quantidades desse químico e destacou que 40% das existências não se dedicam a “usos críticos”. Os norte-americanos contam com reserva de oito mil toneladas de brometo de metil, mas o representante de Washington disse que se esgotaria em 2009.
As emissões desta substância têm um impacto imediato na camada de ozônio, disse à IPS Janos Mate, do Greenpeace Internacional. “Os cientistas acreditam que seu efeito é de três a 10 vezes maior do que o de outros produtos químicos”, acrescentou. O ativista alertou que a camada de ozônio estará em seu estado “mais delicado” durante as próximas décadas antes de começar a se recuperar de maneira significativa. A mudança climática está retardando o processo e não está claro qual será seu impacto, ressaltou.
A camada de ozônio é parte da atmosfera, a 25 mil quilômetros de altitude, e atua como escudo contra os raios ultravioletas que podem causar queimaduras, câncer de pele e catarata. Também pode prejudicar a vida marinha. Nos dois últimos anos, buracos de ozônio maiores do que a Europa surgiram sobre a Antártida e os oceanos austrais. A Organização Meteorológica Mundial informou esta semana que nunca alcançara tal dimensão e que ficará ainda maior com a chegada da primavera no hemisfério sul. A mudança climática parece ter um papel na formação desses buracos da camada de ozônio. Enquanto a superfície da Terra esquenta, nas regiões polares a alta atmosfera fica mais fria, criando as condições para que produtos químicos como o cloro e o brometo destruam o ozônio.
No ano passado pesquisadores da Universidade do Colorado descobriram que os ventos no Ártico têm um impacto sobre o ozônio da estratosfera superior muito maior do que se pensava. Estes ventos estariam aumentando devido à mudança climática, o que, por sua vez, provoca a redução do ozônio. No entanto, o grupo de pressão dos agricultores norte-americanos está indignado porque Washington não pressiona para que seja autorizado o uso de maiores quantidades de brometo de metil. Seus porta-vozes afirmam que eles poderiam conseguir isso com base nas exceções contempladas no Protocolo de Montreal, já que ainda não existem alternativas economicamente viáveis.
“Já é hora de empregar o senso comum neste assunto”, disse Charles Hall, da Associação de Produtores de Frutas e Vegetais do Estado da Geórgia. Os agricultores norte-americanos jamais entenderão que o brometo de metil está destruindo a camada de ozônio, disse Doniger. Espanha, Grécia e Itália praticamente eliminaram seu uso nas plantações, acrescentou. “Todos estamos sofrendo com uma camada de ozônio mais fina apenas para beneficiar umas poucas companhias norte-americanas”, disse Mate.
(Por Stephen Leahy, da IPS, 21/09/2007)