Estiagem de 2005 foi a mais intensa dos últimos 60 anos, segundo dados de satélite.
Resposta da floresta foi positiva, a despeito da escassez de água para as plantas.
Quem costuma pensar na Amazônia como uma coitadinha precisa mudar de idéia. Um novo estudo mostra que a floresta é "dura na queda" quando o desafio é combater uma seca. Os resultados, obtidos por um quarteto de cientistas brasileiros e americanos, estão publicados on-line na edição desta semana da revista "Science".
Os pesquisadores usaram imagens de satélite -- coletadas com o instrumento Modis, instalado a bordo do orbitador Terra, da Nasa -- para avaliar como a taxa de fotossíntese na Amazônia flutuou durante uma grande seca que ocorreu em 2005 -- a maior dos últimos 60 anos.
Algumas previsões sugeriam que, em resposta à escassez de água, a taxa de transpiração das plantas diminuiria, acompanhada pela redução no processo fotossintético (estratégia usada pelos vegetais para transformar luz solar em alimento). Mas não foi isso que aconteceu durante a seca de dois anos atrás.
Segundo imagens de satélite, a floresta se tornou mais pujante, no que diz respeito à fotossíntese, durante a seca. A explicação, segundo os cientistas, é que as árvores conseguem obter água em um reservatório profundo no subsolo, e assim compensar por eventuais secas.
"O ecossistema reagiu positivamente ao aumento acima da média de calor e radiação solar", afirmou ao G1 Humberto Ribeiro da Rocha, pesquisador da Universidade de São Paulo envolvido no estudo. "E ele não se mostrou negativamente reativo ao estresse hídrico. Isso sugere que a reação ao estresse hídrico pode ser muito menor do que pensávamos", conclui.
O que é uma boa notícia. Entretanto, não é grande alívio para a ameaça de que a floresta se torne, em grande parte, uma savana, com vegetação mais rala e escassa -- uma das promessas dos modelos que avaliam a progressão da mudança climática, com o aquecimento global.
Esses modelos de clima prevêem que os períodos de seca devem se intensificar e se repetir com mais freqüência nos próximos anos. Para Ribeiro da Rocha, a seca de 2005 dá pistas, mas não serve como parâmetro definitivo para dizer o que acontecerá com a floresta.
O fato é que a Amazônia agüentou bem essa estiagem, assim como outras que aconteceram no passado, mas talvez não agüente enfrentar uma dessas todo ano. "A se persistir o padrão de secas sucessivas, a lógica é pensar que o reservatório disponível de água se esgote", diz Ribeiro da Rocha. "Há um limite."
Para Carlos Nobre, climatologista do Inpe, o resultado é importante, mas não chega a tocar no tema da hipótese da savanização. "É um bom trabalho e vem confirmar nosso conhecimento anterior de que a floresta tropical é bastante resistente a uma seca, ainda que intensa", diz. "Mas a hipótese da savanização vai numa direção bem diferente. Para ela se efetivar, há de haver uma mudança climática permanente, isto é, o clima do domínio florestal tem que mudar, como resposta ao aquecimento global ou ao desmatamento regional."
Essa mudança, segundo Nobre, passa por dois fatores: maiores temperaturas e estações mais pronunciadas e longas ao longo do ano. Somente quando esses elementos se transformam surgiria uma situação para colocar à prova o modelo da transformação da floresta em savana.
Colocá-lo à prova é realizar um experimento perigoso que, diga-se de passagem, já está sendo involuntariamente conduzido pelos seres humanos.
(Por Salvador Nogueira,
G1, 20/09/2007)