A tragédia foi publicada por Jan Rocha, pela primeira vez, em 1999, em inglês. Agora, a jornalista lança a edição reeditada, em português, sobre o brutal assassinato de 13 índios Yanomami por garimpeiros e pistoleiros, que invadiram suas terras em busca de ouro. O episódio ficou conhecido como Massacre de Haximu
Em meados de 1993, a densa floresta tropical que cobre o entorno das nascentes do rio Orinoco - próximas à divisa da Venezuela com o Brasil - foi palco de um dos mais covardes e violentos massacres de índios do século XX. Foi lá, em um conjunto de tapiris escondidos no meio da mata, que mais de uma dúzia de garimpeiros, acompanhados de pistoleiros profissionais, assassinaram, com requintes de crueldade, 13 índios Yanomami: um homem idoso, duas mulheres idosas, uma mulher de meia idade, três meninas jovens, quatro meninos pequenos (entre 6 e 9 anos), e dois bebês de sexo feminino, de um e três anos, um dos quais transpassado por um facão enquanto chorava em sua rede.
A tragédia, conhecida como o “massacre de Haximu”, ultrapassou os limites da selva. Mesmo de maneira confusa, notícias sobre a matança ecoaram nos quatro cantos do mundo. A crueldade dos assassinos espantou a todos, com exceção de grupos de interesse preocupados em liberar as terras indígenas para a exploração econômica, que até hoje insistem em negar o ocorrido.
Ao terrível massacre sucederam-se voluntarismos intempestivos, incompetência lingüística e despreparo dos órgãos responsáveis, para não falar na invasão involuntária, por autoridades brasileiras, do território venezuelano onde se encontrava a aldeia de Haximu, tardiamente identificada. Agentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) chegaram a declarar que os mortos passavam de 70, número que foi reduzido após a identificação dos sobreviventes e a investigação realizada pelo antropólogo Bruce Albert e pelo médico Claudio Esteves de Oliveira, ligados a Comissão Pró-Yanomami (CCPY).
Toda essa história é apresentada no livro Haximu: O massacre dos Yanomami e suas consequências, de Jan Rocha, que será lançado no próximo dia 17 de setembro na Livraria da Vila, em São Paulo. Trata-se de uma versão reeditada em português pela Editora Casa Amarela do livro Murder in the Rainforest: The Yanomami, the Gold Miners and the Amazon, publicado em 1999 pelo Latin America Bureau, de Londres.
O livro de Jan Rocha apresenta, de forma detalhada, toda a cronologia do massacre, levando o leitor a vislumbrar, a posteriori, a sucessão de incompreensões que fomentaram tamanha tragédia. A ausência, e por vezes cumplicidade, do Estado brasileiro em relação à situação caótica que se instalou na Terra Indígena Yanomami no final da década de 1980 não escapa do escrutínio da autora, que apresenta as características da política indigenista brasileira e os acontecimentos que culminaram e sucederam a matança. Uma breve apresentação do mundo Yanomami e a história de seu encontro com os não-índios permitem ao leitor um rápido contato com seu modo de vida.
A nova edição traz na capa uma foto emblemática: os sobreviventes de Haximu carregando as cabaças contendo as cinzas funerárias de seus parentes mortos. É importante lembrar que a ausência de corpos (apenas partes de um esqueleto feminino foram encontradas) foi apontada como indício de fraude e inexistência do massacre.
Uma apresentação de Rubens Ricupero, na época nomeado para o Ministério Extraordinário para a Articulação de Ações na Amazônia Legal - embrião do atual Ministério do Meio Ambiente-, e um prefácio de Laymert Garcia dos Santos, nos introduzem à narrativa propriamente dita. Fotos de Claudia Andujar (renomada fotógrafa e ex-coordenadora da CCPY), e um pequeno texto de José Arbex Jr. (jornalista da revista Caros Amigos) complementam o conjunto.
Por fim, as palavras de Davi Kopenawa Yanomami e seu filho Dário Vitório nos mostram o imenso valor que a vida na floresta tem para os Yanomami e como a memória do garimpo permanecerá para sempre assombrando seu passado, presente e futuro.
Em agosto de 2006, o massacre de Haximu foi caracterizado como ato de genocídio pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, em uma decisão inédita, sepultou as esperanças de liberdade de Pedro Prancheta, Eliézer, João Neto e Curupuru, identificados como artífices da barbárie. Dentre os demais envolvidos, alguns morreram, mas a maioria desapareceu nos descaminhos da Amazônia brasileira.
(Por Rogério Duarte do Pateo,
ISA, 13/09/2007)