Uma pesquisa feita numa área remanescente de cerrado, em Brasília, trouxe importantes contribuições para o entendimento de padrões de comunicação e alimentação do papagaio-galego, uma ave de pequeno porte que possui a cara amarela e o peito com cores variadas, que vão do verde ao amarelo e vermelho. O biólogo Carlos Barros de Araújo passou um ano observando bandos da ave para descobrir que a comunicação entre os bichos possibilita seu padrão de alimentação.
Descoberta ainda não havia sido descrita
A constatação ainda não havia sido descrita na literatura. Segundo o biólogo, trata-se de um achado que poderá, entre outras coisas, subsidiar trabalhos de conservação da espécie. Araújo conseguiu encontrar também bandos da ave durante um ano inteiro em um mesmo local. No site da Birdlife International, por exemplo, não havia menção de nenhum lugar no Brasil em que este fato ocorrera.
O papagaio-galego é um psitacídeo – aves que possuem a parte de cima do bico curvado e têm quatro dedos livres, dois para frente e dois para trás. Pertence ao grupo espécies de araras, maritacas, periquitos e papagaios. Existem cerca de 80 diferentes espécies no Brasil, que é o país com a maior diversidade destas aves.
O papagaio-galego é muito arisco, assim como a maior parte dos psitacídeos, sendo, portanto, difícil de acompanhar. “Quando ele detecta a presença de qualquer indivíduo, rapidamente voa um quilômetro e meio. Em razão dessa dificuldade, ele é muito pouco estudado”, explica Araújo.
Os resultados da pesquisa foram apresentados no Instituto de Biologia (IB) para a obtenção do título de mestre em Ecologia. Araújo foi orientado pelos professores Luiz Octavio Marcondes Machado e Jacques Vielliard. Depois de um ano de observações, o biólogo trouxe, na bagagem, três horas e meia de gravação, inúmeras fotos e anotações sobre o comportamento alimentar da espécie. Conseguiu, inclusive, filmagens da ave se alimentando por folhas, algo inusitado para esta espécie.
O biólogo conta que o papagaio-galego corre risco de extinção por conta da escassez cada vez maior de áreas de cerrado no Brasil, que têm sido sistematicamente derrubadas para monoculturas. A espécie não é das mais visadas comercialmente para o contrabando, porque está entre aquelas que não falam. “Sua plumagem é muito bonita, mas eles sofrem menos pressão”, comenta.
A preocupação em descrever os padrões de comunicação e alimentação deste papagaio, explica o biólogo, consiste na preservação da espécie em um futuro próximo. “A idéia é propor alternativas de manejo e buscar áreas para a preservação”, destaca.
Segundo o pesquisador, o papagaio-galego é considerado espécie-bandeira, ou seja, serve de referência para a preservação de outras espécies. “Ninguém quer conservar uma mosca ou um besouro, mas ao proteger áreas de cerrado para o papagaio-galego, indiretamente conservamos as moscas e os besouros que têm muita importância para o ecossistema”.
Para a pesquisa, Araújo lançou mão das ferramentas de bioacústica. Com a gravação dos cantos, classificou cada tipo de grito e fez as análises da relação com o comportamento que observou. Ele avistou cerca de cem indivíduos da mesma espécie e percebeu que, durante o dia, eles se separam para a alimentação.
Esse fato indica a necessidade de preservação de grandes áreas, pois ao dividir-se em bandos menores, a espécie utiliza porções maiores do seu habitat. “É interessante observar que uma ou duas aves ficam acima das árvores para vigiar, enquanto as outras comem”, destaca.
Num determinado período, no final da tarde, a comunicação volta a ser estabelecida para o encontro em um lugar único, e é neste horário que os maiores bandos são detectados. Os grupos pequenos se agrupam para dormir, pois a possibilidade de sofrerem ataques é bem menor. “Esta família é uma das mais inteligentes dentre as espécies de aves”, comenta Araújo.
(Por Raquel do Carmo Santos, Jornal da Unicamp, 18/09/2007)