Tribunal Regional do Trabalho determina que produção de carvão vegetal está inserida na atividade-fim em usina do Maranhão, e que ela deve se responsabilizar por condições de trabalho nas carvoarias
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8ª Região (Pará e Amapá), em decisão unânime em segunda instância, determinou a existência de vínculo empregatício entre trabalhadores encontrados em situação de escravidão em carvoaria localizada na região de Carajás e a Siderúrgica do Maranhão S. A. (Simasa), que utiliza o carvão vegetal na fabricação de ferro-gusa. Os 13 trabalhadores foram libertados depois de uma inspeção realizada por auditores fiscais do trabalho, acompanhados por procurador do MPT e policiais federais, nos dias 09 e 10 de março de 2006. À decisão cabe recurso.
“É uma decisão importante para o combate ao trabalho escravo porque dá margem a outras decisões parecidas e encerra uma polêmica que vinha se arrastando há muitos anos”, avalia Marcelo Campos, coordenador nacional dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para ele, trata-se de algo importante porque vem no sentido de fortalecer “os esforços que o MTE e o MPT têm feito no enfrentamento das terceirizações ilícitas feitas pelas siderúrgicas”. O posicionamento do TRT do Pará e do Amapá, no entanto, não deve diminuir a pressão sobre os grupos móveis de fiscalização, segundo ele. “Mas facilita a aplicação do procedimento que já vínhamos tendo.”
O plenário da 4ª Turma do Tribunal acatou a recomendação da relatora Vanja Costa de Mendonça e manteve o entendimento, já confirmado em primeira instância, de que os trabalhadores de carvoarias estão inseridos totalmente na atividade-fim das siderúrgicas produtoras de ferro gusa, considerando-se que essas últimas têm a necessidade vital do carvão vegetal, não se tratando apenas de insumo de produção.
Os desembargadores negaram o recurso apresentado pela Simasa que questionava principalmente o mérito da ação civil pública (ACP) encaminhada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a empresa e outros três envolvidos. A ACP foi apresentada depois da fiscalização que flagrou as 13 pessoas sendo exploradas como escravos em carvoaria localizada na região do pólo siderúrgico de Carajás.
O fundamento do recurso da siderúrgica buscava derrubar a ação – por dano moral, inclusive - deslegitimando o vínculo direto de relação trabalhista entre a empresa e os trabalhadores encontrados em condição de trabalho escravo. De acordo com a decisão do Tribunal, “restou cristalino que a relação de emprego deve ser com a Simasa, na medida em que a mesma contratou empresa interposta, o que, além de ser considerado ilícito pelo ordenamento jurídico pátrio, faz valer a relação com o tomador de serviço”.
A produção do carvão vegetal pelos donos das carvoarias, prosseguiu a desembargadora Vanja Costa, “nada mais é do que atividade-fim da Simasa, que não esconde a necessidade de obter carvão vegetal de seus fornecedores para a produção permanente de ferro gusa, e que esse fornecimento chega a 60% do custo de produção do ferro”. Na decisão, a relatora ainda citou “o grande interesse” da siderúrgica em patrocinar a construção de fornos, alojamentos para os trabalhadores, fornecendo, até mesmo, equipamento de proteção individual (EPIs).
No depoimento dado por ocasião da fiscalização, Roberto Cardoso da Silva, “gerente” da fazenda flagrada, afirmou aos auditores ficais que a produção do carvão vegetal era monitorada por um funcionário da Simasa, que a empresa retinha R$ 4,50 por metro cúbico de carvão para efetuar o pagamento do 13º salário, INSS e FGTS dos trabalhadores, e que os valores dos salários dos trabalhadores da carvoaria, para fim de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, são fixados segundo uma tabela produzida pela própria Simasa.
Outro item destacado pela decisão foi o fato de a produção da carvoaria ser destinada exclusivamente à siderúrgica. Tal constatação “é fundamental para o reconhecimento de que a hipótese que se examina é de empresa interposta, em verdadeira fraude e burla aos direitos trabalhistas e, essa exclusividade ficou comprovada não só pelas declarações antes mencionadas, mas também pelos instrumentos particulares de fornecimento de carvão vegetal de compra e venda”.
A Simasa também questionou a existência de vínculo de emprego se fazendo valer do teor de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para aplicação no Maranhão que, segundo a empresa, “visa a proteção dos direitos dos trabalhadores das carvoarias e, por outro lado, define o produtor de carvão como empregador originário dos trabalhadores nas carvoarias, considerando as siderúrgicas como beneficiário indireto, cabendo-lhe a responsabilidade subsidiária das obrigações trabalhistas para com seus empregados”. A desembargadora Vanja justificou a recusa de aplicação do TAC do Maranhão ressaltando que o referido acordo não cumpre “o seu objetivo maior, que é o de proteger e assegurar a dignidade dos trabalhadores de carvoarias, os quais sobrevivem em condições precárias e aviltantes”.
De acordo com informações do próprio TRT da 8ª Região, a Simasa entrou com um novo recurso contra a decisão no dia 6 de setembro. A peça chegou esta quinta-feira (13) à vice-presidente do Tribunal, Franscisca Oliveira Formigosa. Ela fará a análise da admissibilidade do mesmo. Caso o recurso não seja aceito, a empresa provavelmente entrará com um agravo de instrumento e o caminho natural seria o envio do processo ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). E mesmo que o recurso não seja aceito, a ação também deverá ser encaminhada para avaliação do Tribunal Superior, se não houver nenhuma conciliação entre as partes.
Repercussões A decisão do Tribunal do Pará vai ao encontro de outra tomada pela Justiça do Trabalho em Minas Gerais no ano de 2002, salienta Erlan do Prado, vice-coordenador da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo (Conaete) do MPT. Ele destaca que justamente por causa da restrição imposta no estado mineiro, produtores de carvão vegetal acabaram migrando para o Tocantins e para o Pará. “Com certeza, esta decisão contribui para que haja a regularização da relação de trabalho nas carvoarias. Sem dúvidas, é uma decisão favorável do Judiciário em favor dos trabalhadores”, comenta. O julgamento da questão no TST, que poderia conferir um alcance nacional para a questão, pode demorar bastante de acordo com Erlan, em função da possibilidade de apresentação de vários recursos por parte dos envolvidos.
Diretor da Simasa e presidente do Instituto Carvão Cidadão (ICC) – que desenvolve programas de combate à mão-de-obra escrava e é signatário do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo -, André Câncio contesta a decisão. “Não consideramos isso uma terceirização ilegal. As carvoarias estão a 500 quilômetros da siderúrgica, sem possibilidade de controle por parte da usina, em que o fornecedor tem todas as condições de cumprir a legislação trabalhista”, reclama.
Justamente para se precaver contra a “insegurança” causada pelas “interpretações difusas da terceirização”, a Simasa, desde fevereiro, está com todas as atividades suspensas. “Não há previsão de reabertura”, emenda. “Na Santa Inês [outra siderúrgica do grupo Queiroz Galvão, que controla a Simasa], estamos importando coque [carvão mineral] da Colômbia, utilizando carvão de eucalipto de nossas próprias fazendas e alguns projetos de expansão no Maranhão, onde temos controle total sobre os fornecedores, o que permite a manutenção das atividades”, relata André. “Como não conseguimos mudar a opinião do judiciário com relação a isso, vamos restringir a carvão reflorestado [de eucaliptos]”.
(Por Beatriz Camargo e Maurício Hashizume, Repórter Brasil /
Amazonia.org, 17/09/2007)