Ambientalistas vão usar a língua do mercado para tentar convencer potenciais investidores na construção das hidrelétricas do Rio Madeira de que o projeto pode ter um impacto negativo nos seus bolsos.
A pouco mais de um mês da data prevista para o leilão que deverá definir as empresas que tocarão o projeto bilionário, um grupo de ativistas argumentará a bancos no Brasil e no exterior que os impactos ambientais não foram devidamente dimensionados e poderão, no futuro, se traduzir em riscos financeiros.
O alerta faz parte de uma campanha das organizações Amigos da Terra, Ecoa (Ecologia e Ação), Both ENDS, Instituto Madeira Vivo, International Rivers Network, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e Instituto de Estudos Socioeconômicos.
"A questão social, ambiental, gera riscos financeiros. Por exemplo, a Bolívia pode levar o caso a uma corte internacional pelo impacto no seu território. Ações de movimentos sociais como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) podem gerar atrasos na obra", afirma Gustavo Pimentel, responsável pela divisão Ecofinanças da Amigos da Terra.
Segundo Pimentel, autor de um relatório específico sobre os possíveis riscos financeiros, os estudos sobre os impactos ambientais que serviram de base para a emissão da licença prévia, concedida em julho, são insuficientes para se fazer uma avaliação conclusiva dos impactos socioambientais da obra.
A Odebrecht, que com a estatal Furnas compõe um dos consórcios que disputam o projeto, alega que se os impactos não tivessem sido amplamente estudados, os investidores não estariam demonstrando interesse no projeto.
"Quem tem de se cercar de todos os cuidados para que o projeto dê certo é o investidor em primeiro lugar. Em segundo lugar, são os bancos. Depois, as seguradoras, e cada um desses se cerca das melhores competências e chama consultores e técnicos independentes para se assegurar de que este é um bom projeto", disse o diretor da Odebrecht Investimentos e Infra-Estrutura, Irineu Meireles.
Gustavo Pimentel pretende apresentar seu relatório sobre riscos financeiros a bancos privados no Brasil e o levará à Holanda em outubro, na reunião da organização BankTrack, que monitora práticas financeiras internacionais.
Em outra frente, a coordenadora do Núcleo Amigos da Terra, Lucia Ortiz, vai para Washington, onde deverá se encontrar com representantes do Banco Mundial e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimentos) a fim de convencê-los de que o projeto não atende às necessidades socioambientais.
Um dos argumentos dos ambientalistas é que a suposta falta de profundidade e a abrangência nos estudos de impacto ambiental (EIA) tornam a licença prévia precária e passível de contestação.
Meireles, da Odebrecht, rebate a crítica e diz que nunca viu um estudo ambiental "com a profundidade e a dimensão" do EIA sobre as usinas de Santo Antônio e Jirau.
"Hoje, quando se fala que o rio Madeira tem a maior diversidade de peixes do mundo, quando se fala do volume de sedimentos, da subida dos peixes, não é porque o rio Madeira tem tudo isso a mais do que os outros. É porque nunca houve, em nenhum outro rio, o estudo com a profundidade que esse teve."
Para Gustavo Pimentel, porém, o processo de avaliação dos impactos foi sacrificado para acelerar a emissão das licenças.
"As licenças foram dadas a toque de caixa com o discurso do (risco de) apagão, negligenciando um processo de estudos", diz Pimentel. "Queremos parar o projeto ou atrasá-lo para que se estude os impactos mais profundos."
Meireles admite que outros estudos serão necessários para a concessão da Licença de Instalação (LI), mas insiste que os que já existem são suficientes para a licença prévia.
"O próprio estudo (EIA) prevê que existe uma ou outra coisa cujo impacto ainda não se conhece, mas que deverá ser mitigado e compensado no decorrer do período", diz Meireles. "Há 33 condicionantes para a concessão da LI."
Um dos principais argumentos dos ambientalistas é que o impacto das obras sobre a Bolívia foi mal avaliado, o que abriria caminho para o país contestar a construção das usinas em um tribunal internacional.
O Itamaraty alega que as usinas estarão integralmente em território brasileiro e seu licenciamento é responsabilidade das autoridades ambientais brasileiras.
(BBC, 18/09/2007)