Cada vez mais o mel produzido pelas melíponas (abelhas sem ferrão) em comunidades indígenas do interior do Amazonas está conquistando o paladar dos europeus. Isso porque eles preferem um sabor mais ácido, característica comum no mel das abelhas sem ferrão. Mas os produtores esbarram em um problema: a elevada umidade do alimento da região, além da falta de legislação que regule a exportação. É o que explica a cientista Helyde Albuquerque Marinho, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Marinho é a coordenadora de um projeto de capacitação de jovens e professores indígenas, que estudou as abelhas nativas na área Sateré-Mawé (formada pelos municípios de Maués, Parintins e Barreirinha). O objetivo da pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), foi fazer o mapeamento da polinização e caracterização dos produtos meliponículas. Dessa forma, solucionar o entrave legal existente (falta de legislação) e a elevada taxa de água encontrada no mel.
"O Ministério da Agricultura (MA) só possui legislação para o mel das abelhas apís (africanizadas), o qual determina que a umidade não pode ultrapassar os 20%. Porém o mel produzido pelas abelhas sem ferrão varia entre 24 a 27%. A elevada taxa leva a uma fermentação mais rápida, o que pode ocasionar a perda de toda a produção. Por isso, não pode ser exportado para a Europa. Contudo, já existe tecnologia para a questão", informou a pesquisadora.
Segundo ela, uma das saídas encontradas pelo projeto foi a fazer a caracterização do mel das diferenças existentes, pois só assim será possível requerer junto ao MA uma legislação específica. Entre elas, Marinho disse que o mel das abelhas sem ferrão é mais fino e menos doce, diferente do das africanizadas. Além disso, a florada é outro diferencial. Como ambas coletam o néctar das flores, as abelhas sem ferrão levam vantagem porque o Amazonas não tem tanta poluição quanto os outros estados, contribuindo assim para o aumento da qualidade final do produto. Outra vantagem é em relação à acidez: 2 a 3 pH, o que o coloca na preferência do consumidor europeu, principalmente, o italiano.
"O objetivo do projeto é aumentar cada vez mais a produção e vender o que é produzido para o exterior, bem como ajudar na sustentabilidade dos moradores Um litro de mel produzido pela comunidade chega à custa R$ 40, mas pode atingir o patamar de R$ 80. Na aldeia existem 150 colméias e cada uma produz em média 3 litros de mel, o que é pouco. Isso porque além de ser comercializado, ele também é consumido pelos indígenas",destacou.
Técnicas de manejo - Durante os trabalhos de campo, realizados no município de Barreirinha, na vila do Castanhal, os representantes da comunidade indígena aprenderam técnicas de manejo do mel, por exemplo, usar luvas e seringas para coletar o produto das colméias para não contaminá-lo. Também aprenderam a identificar as abelhas, limpeza e fabricação das caixas das colméias, tendo sempre como principal meta à certificação do Ministério da Agricultura (MA).
"Foi a primeira iniciativa nesse sentido, ou seja, tentar solucionar o problema da falta do selo do MA e oportunizar aos jovens e professores o acesso ao conhecimento produzido pelo INPA nessa área. Realizamos visitas nas comunidades e eles também vieram ao Instituto. Levamos para eles motor de popa, canoa e binóculos, tudo por meio do projeto", enfatizou.
No INPA, a bolsista de nutrição do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), Tatiana Van de Maas, realizou análises físico-química e microbiológicas. De acordo com Marinho, os testes foram feitos para saber se o mel estava contaminado ou não, pois na aldeia não é possível fazê-los. Segundo ela, tudo conforme manda o MA para obter um certificado diferente do das abelhas apis. "Os documentos serão entregues no Ministério da Agricultura. Queremos discutir uma legislação para o mel das melíponas", alertou.
Os resultados do projeto serão publicados por meio de uma cartilha, tanto no idioma sateré quanto em português.
Retirada da umidade - Em 2006, durante quatro dias, dois pesquisadores do México estiveram no INPA para repassar a técnica de retirada da umidade (água) do mel. Na época, dois professores saterés e representantes da associação dos meliponicultores aprenderam a metodologia.
Marinho explicou que a desumidificação só é possível em um laboratório devidamente preparado. Por isso, a pesquisadora elaborou um outro projeto para dar continuidade à pesquisa inicial. No mesmo, foi incorporado a "Casa do Mel", que será implantado na comunidade indígena para, assim, solucionar a questão da elevada taxa de umidade.
O projeto, orçado em aproximadamente R$ 100 mil, foi submetido ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aprovado pelo mesmo. Contudo, um ano após ser aprovado, o recurso ainda não foi liberado, pois depende do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Benefícios do mel - Apesar de ser utilizado mais como veículo de medicamentos, a pesquisadora disse que o mel é bactericida, antiinflamatório fornece energia, além de ser de fácil digestão e utilizado como adoçante natural. Segundo Marinho, o brasileiro não tem o hábito de consumir mel diferente do argentino, por exemplo.
(Por Luís Mansuêto, do Inpa,
Envolverde/Inpa, 17/09/2007)