Governos e funcionários de agências internacionais aplaudiram a aprovação na Organização das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, obtida após duas décadas de negociações. Porém, líderes indígenas e especialistas latino-americanos não viram maiores motivos para comemorar. O documento não tem caráter vinculante e foi negociado, em vários de seus trechos, ignorando os supostos beneficiários, disseram à IPS os dirigentes indígenas Manuel Castro, do Equador, e Luis Andrade, da Colômbia, bem como o ex-diretor do Instituto Indigenista Interamericano, o mexicano José del Val. Uma postura diferente foi expressa por Elmer Erazo, porta-voz da não-governamental Fundação Rigoberta Menchú, da Guatemala. Para este observador, o documento pode ser considerado um avanço somente “na medida em que os povos indígenas o utilizarem”. Mas, é certo, “tampouco é para pular de alegria”, admitiu à IPS.
A Declaração foi adotada na quinta-feira pela Assembléia Geral da ONU pela maioria dos governos presentes. Os votos contra foram de Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia. O único latino-americano que se absteve de votar a favor foi a Colômbia, junto com outros 10 países de diversas regiões. O documento, de 12 paginas e 16 artigos, diz que os indígenas têm direito à sua autodeterminação como povos e a exercer sua autonomia em “assuntos internos locais”. Além disso, diz que os nativos contam com o direito de não perder sua cultura e não serem banidos de suas terras, além de exortar os Estados a indenizá-los quando seus territórios ou recursos são usados ou danificados sem seu consentimento.
O presidente da Bolívia, o ayumara Evo Morales, disse estar feliz com a aprovação. “Essas normas permitirão que os direitos sejam únicos para todos e não continuemos marginalizados”, afirmou. O mandatário boliviano convocou seus irmãos indígenas para realizarem uma cúpula mundial dias 10 e 11 de outubro deste ano para comemorar e analisar as implicações da aprovação. Entretanto, outros acreditam não haver maiores motivos de comemoração. “Vinte anos de debates para conseguir esta declaração e acabamos com um instrumento declaratório que não obriga os governos a nada, isto é uma vergonha”, afirmou Castro, porta-voz da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador.
Por sua vez, Andrade, presidente da Organização Nacional Indígena da Colômbia, afirmou que o novo instrumento “é como dizer sim, mas não”, por não ser vinculante. A seu ver, muitos governos assinaram o documento “apenas para salvar sua responsabilidade”. A respeito da posição de seu país, que se absteve de votar a favor da Declaração, disse que essa atitude “demonstrou que se trata de uma administração que ameaça os direitos dos indígenas e que é seu inimigo”.
Del Val disse que o documento deve ser tomado “como uma referência ética e moral para os povos indígenas, mas, até aí, nada além”. “Trata-se de uma declaração não-obrigatória, muito geral, com linguagem cheia de nuances e várias imprecisões”, acrescentou o ex-diretor do Instituto Indigenista Interamericano, atual chefe do Programa Universitário México Nação Multicultural, da Universidade Nacional Autônoma do México. “Muitos governo a assinaram para atender a uma questão burocrática, para livrar-se do assunto”, ressaltou.
Erazo, da fundação Menchú, grupo que trabalha em temas indígenas sob a direção de sua líder, a guatemalteca e prêmio Nobel da Paz Rigoberta Menchú, compartilha da idéia de que a Declaração não oferece nenhuma garantia de cumprimento. Mas, recomendo considerá-la “como uma arma para ser usada pelos povos”. Segundo governos e autoridades da ONU, entre elas seu secretário-geral, Ban Ki-moon, o documento é uma vitória para os 270 milhões de indígenas do mundo. Ban considerou, inclusive, que a aprovação foi “um momento histórico em que os Estados-membros e os povos indígenas se reconciliaram com suas dolorosas historias”.
Por sua vez, o diretor do escritório latino-americano do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Nils Kastberg, afirmou que representa “o reconhecimento mais importante que a comunidade internacional devia às crianças e adolescentes indígenas com vistas à construção do mundo que sempre sonharam os sábios indígenas do planeta”. Tais declarações foram consideradas exageradas pelo dirigente equatoriano. “Para nós, não há um ganho importante, se também considerarmos que nas negociações não estivemos bem representados e que muitos indígenas nem mesmo sabem da existência deste documento. Há várias leis e acordos que falam de nossos direitos, e esta declaração é mais uma a caminho de ser letra morte”, afirmou.
Nas negociações da declaração participaram em diferentes momentos líderes nativos da região, e alguns deles foram considerados pouco representativos. Também estiveram debatendo a questão funcionários governamentais e especialistas. “Participamos de algumas discussoes, mas é preciso dizer sinceramente que o nível de representação da maioria de indígenas foi baixíssimo”, disse o presidente da Organização Nacional de Indígenas da Colômbia. De acordo com as estatísticas dos governos, no continente americano haveria 38,5 milhões de indígenas. Esse número é considerado muito baixo por alguns especialistas.
Onde não existe discordância é no fato de os indígenas serem o grupo social mais empobrecido da região e que concentra as maiores desigualdades sociais em saúde, educação, moradia e alimentação. Apesar dessa condição, os movimentos indígenas da América Latina e do Caribe derem nos últimos anos mostras de um crescente poder de protagonismo público. Na última década, sua atuação foi decisiva, por exemplo, na derrubada dos presidentes Jamil Mahuad, em janeiro de 2000 no Equador, e de Gonzalo Sánchez de Lozada, em outubro de 2003 na Bolívia. Além disso, desde o início de 2006 ocupa a presidência da Bolívia o aymara Morales. Os indígenas latino-americanos também traçaram novas rotas nos processos políticos e deixaram marcas em parlamentos, ministérios e prefeituras.
(Por Diego Cevallos, IPS, 17/07/2007)