Além do “apagão aéreo”, cujas conseqüências funestas estamos presenciando, há outra “morte anunciada” no País, parafraseando o título do magnífico romance de Gabriel García Márquez: uma nova e séria crise de energia, como a que tivemos no ano de 2001.
Seis anos atrás, o racionamento de energia e as importantes medidas adotadas de economia de eletricidade - com a cooperação da população - evitaram uma crise maior. Os níveis de consumo de eletricidade só em 2004 voltaram aos mesmos de 2001, o que nos permitiu atravessar os últimos anos sem grandes sobressaltos. Sucede que nesse período se investiu pouco em novos empreendimentos, em razão de uma combinação de um complexo e confuso sistema regulatório introduzido, pelo atual governo, em 2002, que não ofereceu segurança aos investidores, com as complicações de licenciamento ambiental. A verdade é que o sistema elétrico do Brasil não é mais composto preponderantemente por empresas estatais (como era no passado, antes da década de 1990), nem apenas por entidades privadas, após 1990. O resultado, como se viu nos últimos anos, foi um aumento brutal das tarifas, que hoje se comparam ao que se paga por eletricidade nos países industrializados. Mesmo com esses aumentos, não é muito atraente para os investidores competir em leilões e investir na construção de usinas, como se pode ver, pelo fato de existirem muitas dezenas de empreendimentos iniciados e semiparalisados. A solução tentada pelo governo, forçando a aprovação do início das usinas do Rio Madeira e até da usina nuclear Angra 3, é uma falsa solução, pois, mesmo que essas obras começassem amanhã, elas não ficariam prontas antes de 2013, na melhor das hipóteses. Antes disso, em 2009 ou 2010, corremos o sério risco de falta de eletricidade.
Uma solução atraente para o problema seria rever o assim chamado “modelo energético” que o atual governo introduziu e que o Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Planejamento Energético (EPE) tentam implementar. Não existe clareza dentro do governo federal sobre o que fazer - reconhecer o fracasso deste modelo parece improvável e, mesmo que ocorresse, já foram perdidos cinco anos, não havendo mais tempo para que uma mudança de rumo se concretize nos próximos dois anos.
Nestas condições, o que fazer? Uma solução parcial foi discutida em profundidade há algumas semanas na Universidade de São Paulo (USP), com diversos técnicos e diretores de empresas do setor: eficiência energética.
Só os mais simplistas consideram a melhoria da eficiência energética equivalente à privação ou se queixam de que, se o consumo de eletricidade não crescer rapidamente, as empresas de eletricidade venderão menos e, portanto, terão menos lucro.
Esse problema já foi resolvido nos Estados Unidos há muitos anos: os órgãos reguladores - a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no nosso caso - garantem aos donos das empresas, ou a seus acionistas, uma rentabilidade fixa, mesmo que elas vendam menos eletricidade como resultado de medidas que melhorem a eficiência do sistema. Em outras palavras, investimentos em mais geração (e mais venda) valem tanto em termos de remuneração quanto promover a eficiência energética, como trocar lâmpadas ineficientes pelas fluorescentes, comprar geladeiras que consomem menos energia (sem prejudicar o seu desempenho), e assim por diante.
O que o governo poderia e deveria fazer é:Estabelecer incentivos regulatórios vigorosos para eficiência energética, o principal dos quais seria assegurar remuneração compensatória, diferenciada e progressiva, para motivar as concessionárias a investirem em eficiência no consumo de energia elétrica;
realizar auditorias anuais independentes de eficiência energética, com base nas quais o governo poderia avaliar o efetivo engajamento das empresas e dos usuários nos esforços por eficiência;
realizar leilões públicos de redução de consumo via aumento da eficiência no uso da eletricidade em condições similares às dos leilões oferecidos para a instalação de novas unidades de geração;
realizar censos de eficiência energética, para manter atualizados, conhecidos e divulgados os potenciais de incremento de eficiência energética em todo o Brasil;
e promover o desenvolvimento de projetos de créditos de carbono como contribuição adicional às compensações por investimentos em projetos de eficiência energética.
Além disso, o governo poderia e deveria implantar incentivos tributários e normativos para o desempenho energético de eletrodomésticos, motores e toda uma variedade de aparelhos, o que não prejudicaria o seu desempenho, mas economizaria energia. Isso é o que o Estado da Califórnia está fazendo desde 1980 e o resultado é o seguinte: o consumo de eletricidade por habitante é 50% menor do que o consumo do restante dos Estados Unidos e se tem mantido constante desde aquele ano, apesar do seu crescimento econômico e do aumento de renda dos seus habitantes. Na União Européia o consumo total de energia (não só eletricidade) seria 50% maior do que é hoje se não tivessem sido adotadas, a partir de 1975, sérias medidas de economia de energia, o que não impediu que todos os países da Europa atingissem um nível de prosperidade sem precedentes na História.
A idéia de que o consumo de energia acompanha o crescimento do produto interno bruto da economia era verdadeira no passado. Esta relação foi quebrada a partir de 1975 com a crise do petróleo. É possível crescer sem um crescimento idêntico no consumo de energia, e uma combinação de padrões de desempenho dos equipamentos e investimentos em economia de energia (devidamente remunerados) pode fazê-lo.
(Por José Goldemberg,
O Estado de S.Paulo, 17/09/2007)