O canadense Maurice Strong é cercado de histórias controversas: nascido pobre, fez sua ascensão social e econômica dentro da indústria do petróleo, de onde migrou para a Organização das Nações Unidas (ONU), na década de 1970, para se tornar o padrinho do ambientalismo.
Foi mentor e secretário-geral da ECO-92, reunião de cúpula no Rio que há 15 anos colocou a questão ambiental na pauta política. Assumiu cargos importantes nas Nações Unidas e no Banco Mundial, ainda que evitasse a exposição pública. Assim caminhou até se desligar da ONU, em 2005, sob suspeita de envolvimento com o escândalo de corrupção Petróleo por Alimentos, em que pessoas ligadas à organização, entre elas o filho do então secretário-geral, Kofi Annan, foram acusadas de aceitar propina e favorecer empresas num programa humanitário.
Hoje com 78 anos, mora na China, onde trabalha como consultor do governo e de empresas locais e multinacionais. Na quarta-feira, participa a distância de uma reunião que acontecerá no Rio para analisar os 15 anos que se passaram desde a ECO-92.
A conferência montou os caminhos a serem seguidos para combater as principais crises ambientais: a perda da diversidade biológica, o agravamento da desertificação e as mudanças climáticas. Apenas o último tema será tratado no encontro, chamado de Iniciativa Rio +15, que reunirá no Copacabana Palace especialistas e representantes de governo que debaterão formas para lidar com a questão. Para Strong, os países fizeram discursos vazios na ECO-92, que não se converteram em ações.
Haverá um substituto do Protocolo de Kyoto, após 2012?Bom, Estados Unidos e outros países estão tentando substituí-lo por um sistema voluntário - o que significa que eles não teriam de assumir nenhum compromisso. Se isso ocorrer, aí será um grande passo para trás.
Por quê?Mesmo quanto aos compromissos dentro de Kyoto, esses países dizem que é demais. E o protocolo é muito modesto, não está nem perto do que deveria ser feito. Estamos com um belo dilema nas mãos. Precisamos aumentar o nível das metas, endurecer. Contudo, a tendência é enfraquecer. Não é muito encorajador.
Endurecer significa que países em desenvolvimento, como China, Índia, África do Sul e Brasil, deveriam aceitar limites de emissão de gases-estufa?Sim. Mas esses limites estariam diretamente ligados ao que países desenvolvidos fariam para reduzir suas próprias emissões. Não espere que os países em desenvolvimento assumam a liderança. Ela deve vir dos desenvolvidos, que criaram o problema.
Como funcionaria esse esquema?É preciso que exista uma relação entre a ação dos países industrializados, para reduzirem suas emissões, e o comprometimento dos países em desenvolvimento, em diminuírem o crescimento de suas emissões. Esses devem concordar em melhorar suas performances, para que dessa forma não contribuam necessariamente para que haja mais emissões. Seria um ato de equilíbrio. Não se pode pedir aos países em desenvolvimento que não cresçam. Mas pode ser pedido que aceitem medidas mais eficientes e algumas limitações sobre como crescerão.
Então, a China, um dos maiores emissores de gases-estufa do mundo, pode aceitar metas mandatórias de controle das emissões?Acho que a China está bastante propensa a isso. Mas ela espera que os países industrializados, que contribuíram mais para a escalada dos gases-estufa, tomem a dianteira. Não há razão para China, Índia e Brasil irem na frente. E acho que os chineses e outros concordariam não em cortar emissões, mas em reduzir a taxa de crescimento de suas emissões. É para isso que os países industrializados precisam abrir espaço.
Isso funcionaria dentro da estrutura da ONU ou fora - como querem os Estados Unidos?Eu espero realmente que isso seja feito dentro da estrutura da ONU. Aqueles que querem fazê-lo fora estão na verdade dizendo que não querem cumprir.
Logo, a reunião convocada por Bush, em Washington, no fim do mês, não significa muita coisa?Espero que se faça algum progresso. Mas, quando você vê os sinais que vêm dos Estados Unidos, da Austrália e até do meu próprio país, o Canadá, você tem de questionar os motivos, por que eles querem ficar fora do esquema da ONU. A ONU montou um sistema que funciona, com é o caso do MDL (mecanismo de desenvolvimento limpo). A razão para deixar o esquema da ONU de lado é escapar e criar metas mandatórias para eles mesmos. E nós já sabemos que países que fazem grandes declarações, mas não aceitam compromissos vinculativos, não agem para colocar em prática o que falam. Sabemos disso pela conferência do Rio. Tantas coisas boas foram aceitas lá, mas apenas algumas foram realmente feitas.
A estrutura da ONU apresenta vantagens, mas há problemas também. Por exemplo: na ECO-92, havia um evidente abismo de interesses entre os países pobres e os ricos, e esse abismo só se aprofundou desde então.
Mas isso não significa que deixar a ONU vai melhorar a situação. Pelo contrário. Pela estrutura da ONU, as pessoas não estão cumprindo seus compromissos, eu concordo; mas deixá-la não quer dizer que elas vão começar a se mover. É ainda mais difícil.
E como fica o Brasil nesse quadro, já que nossas maiores fontes de emissões são o desmatamento e as queimadas das matas?O Brasil sediou o encontro de 1992 e algumas coisas boas aconteceram no País, mas francamente não foram suficientes.
O que seria suficiente?A palavra sustentável é boa porque significa que suficiente é conseguir com que a economia cresça sem destruir os recursos e o ambiente dos quais o futuro depende, para manter o crescimento econômico de forma que os impactos sociais e ambientais desse crescimento permaneçam em equilíbrio. É isso que devemos fazer. Cada país tem uma situação diferente, mas cada país deve atingir um equilíbrio sustentável. De outra forma, tanto o ambiente quanto a economia sofrerão.
Os países em desenvolvimento evocam com freqüência o princípio da responsabilidade histórica: quem começou o problema que dê início ao processo de solução. Mas história não é apenas passado e presente, também é futuro. Por esse aspecto, China, Índia e Brasil não deveriam assumir mais responsabilidades?Concordo. Cheguei a propor, no passado, que os governos tivessem um Ministério do Futuro. Sempre que houvesse uma discussão sobre economia, deveria haver alguém presente olhando os impactos. O que isso fará com nossas crianças? E com a próxima geração? Alguém deveria estar sentado no gabinete com a responsabilidade de pensar dessa maneira, de forma que as ações que tomamos hoje ajudem a produzir um futuro melhor para aqueles que se seguem.
O que aconteceu com essa idéia?Ninguém a adotou. Estou desapontado. Muito do que eu queria ter visto não aconteceu. A boa notícia é que há algumas coisas acontecendo que mostram que é possível mudar. Há a experiência do Japão, que era muito poluído, fez com que a indústria se tornasse mais eficiente e reduziu os danos. A eficiência é a melhor maneira de lidar com problemas ambientais.
Quinze anos depois da ECO-92, como o sr. avalia a conferência?Foi uma reunião de alto nível. A Agenda 21 e a Carta de Princípios foram avanços - não eram perfeitos, mas criaram um movimento global e boa visibilidade. Mas ela não foi mandatória. As promessas feitas no nível político eram bastante encorajadoras, porém não foram implementadas. Algumas sim, mas o quadro geral é bastante decepcionante. A conferência foi boa por montar objetivos e programas, mas fiquei desapontado com o seguimento, a implantação.
Três convenções foram construídas na ECO-92: a de mudanças climáticas, a da biodiversidade e a da desertificação. As três enfrentam até hoje grandes desafios para serem colocadas em prática. O caminho tomado foi equivocado?Acho que o caminho está correto. Tem havido algum progresso, ainda que não suficiente. Não é que as convenções não tiveram boas estratégicas. Os governos não se comprometeram.
Ambiente ainda não faz parte da agenda política corrente. Por quê?Os governos não assumem o tema como prioridade. E as pessoas não pressionaram seus governos de forma suficiente. Uma coisa é os políticos fazerem declarações importantes, como fizeram no Rio. Só que essas declarações foram esquecidas - ou pelo menos não foram implementadas.
Então a responsabilidade é das pessoas comuns?Hoje as pessoas estão percebendo que existe um problema e cada vez mais pressão é feita sobre os governos. Enquanto houver uma pequena chance de sermos bem-sucedidos, precisamos continuar, mesmo sendo decepcionante e frustrante ver que os governos não estão se movendo.
É o caso da resposta ao aquecimento global?Sim. Os riscos aumentam rapidamente e, ainda assim, as ações não acompanham esse ritmo. É por isso que sou pessimista. Neste momento, não estamos em um curso sustentável. E precisamos estar. Precisamos continuar trabalhando, porque é possível mudar. Temos a tecnologia e o conhecimento. Claro que sempre podemos saber mais, mas realmente é uma questão de vontade política - o que só vai acontecer quando as pessoas realmente perceberem que o futuro de suas crianças e de seus países está em jogo.
(Por Cristina Amorim,
Estadão, 16/09/2007)