A sobrevivência dos índios do alto Rio Guamá, nordeste paraense é permanentemente ameaçada por invasores, madeireiros e até pelo crime organizado
Instituições federais e estaduais estiveram pela primeira vez reunidas para discutir os problemas da Terra Indígena do Alto Rio Guamá, lar do povo tembé, no nordeste paraense. Os debates foram mediados pelo Ministério Público Federal e, depois de mais de dez horas, convergiram para a necessidade de ações integradas como solução para a ocupação irregular da reserva. Em um esforço de diagnosticar os principais problemas, lideranças indígenas, representantes do Incra e da Funai apontaram a urgência de se expulsar traficantes de drogas que mantêm plantações de maconha dentro da área, madeireiros que desmatam irregularmente e agricultores que foram assentados pelo próprio governo em décadas passadas e agora precisam ser reassentados.
“Nós índios temos nossos direitos garantidos pela Constituição, mas na prática isso não se aplica. Só porque somos índios, tudo tem que ser ruim, educação ruim, saúde ruim, segurança ruim. Não temos como nos sustentar nem podemos contar com boa assistência do governo, então como vamos sobreviver? Ficamos sem força nenhuma diante dos invasores”, disse Valdeci Tembé, liderança das aldeias, apontando o problema da ausência do Estado na região.
A situação deixa índios e agricultores à mercê da ação de políticos inescrupulosos, muitos apoiadores do crime organizado na região. A cada campanha eleitoral, candidatos se aproveitam do clima de insegurança para vender promessas em troca de votos, convencendo os invasores de que eles poderão permanecer e que os índios serão expulsos, apesar de não haver nenhuma possibilidade de diminuição da área Tembé, homologada pelo presidente da República em 1992. Pelo ordenamento jurídico brasileiro, a homologação de uma reserva significa a posse permanente do território pelos índios.
Presentes à reunião, Exército, Polícia Federal e Polícia Militar devem atuar em conjunto para tentar expulsar os criminosos da área, enquanto Incra e Funai devem agilizar o reassentamento dos posseiros. Apresentando alternativas para a sobrevivência da comunidade indígena, a Universidade Federal do Pará e o Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (Poema) propuseram a criação de centros de sustentabilidade, com diversas alternativas para a geração de renda. A intenção do seminário era encontrar soluções efetivas, por isso todas as ações propostas pelas instituições devem fazer parte de um acordo, que pode garantir o cumprimento dos objetivos a médio e longo prazo, com fiscalização do MPF.
Disputa
Com 278 mil hectares, a reserva indígena do Alto Rio Guamá foi criada em 1945 por decreto do então interventor federal no Pará, Magalhães Barata. Desde então, submetida às sucessivas levas de migrantes ricos ou pobres que chegavam à região amazônica com incentivo governamental, a área Tembé é disputada por madeireiros, agricultores e até plantadores de maconha.
Cerca de 1,2 mil famílias de ocupantes foram consideradas de boa-fé, legítimos clientes da reforma agrária que foram assentadas irregularmente pelos próprios governantes dentro da reserva. Para esses se arrasta, há pelo menos uma década, uma política de remanejamento para outras áreas da União, sempre esbarrando na falta de dinheiro e terras. Cerca de 700 famílias foram reassentadas, mas as outras permanecem formando comunidades agrícolas em plena terra indígena.
Além dos colonos legítimos, não existe estimativa de quantos invasores estão na área, entre traficantes, plantadores de maconha e agricultores incitados por políticos a permanecerem na região.
(Por Helena Palmquist, Ministério Público Federal / Amazonia.org, 12/09/2007)