O tijolo tradicional vem perdendo pontos entre os informados da causa verde, por figurar na lista negra dos produtos extremamente impactantes. Nesse panorama, a técnica chamada de solo-cimento ganhou destaque por demandar pouca água e nenhuma madeira - ao contrário do método convencional, condenado por conta das olarias que cozinham os tijolos usando lenha. Mas mesmo com aparentes benefícios ambientais – e custo mais baixo - é difícil encontrar o “tijolo ecológico”, como é conhecido, em escala nacional.
Em Março de 2007 um episódio sobre o solo-cimento foi ao ar no programa Cidades e Soluções, da Globonews. Na época, O Eco foi citado como referência no site do canal, graças a reportagem "Tijolo sobre Tijolo", publicada anteriormente. Desde então, uma grande número de e-mails e telefonemas chegou ao O Eco, vindos de internautas ávidos por saber aonde encontrar a alternativa..
Segundo o empresário Enrico Borgongino, dono da Enrico Rio Tijolos Ecológicos, de Nova Iguaçu na baixada fluminense, existem apenas cinco fábricas no Brasil, reconhecidas sob as normas de qualidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). E todas são sediadas no eixo Rio-São Paulo. “Seriam necessárias ao menos 35 fábricas para atender a crescente demanda do país. Na situação atual o grande vilão é o frete, que obriga o negócio a ter um custo benefício mínimo”, diz o proprietário.
Um exemplo dessa desproporção, citado por Enrico, foi uma demanda de duzentos mil tijolos feitas na cidade de Manaus. A encomenda que valia oitenta e quatro mil reais - considerando o preço de R$420,00 por mil tijolos - teria um custo adicional de catorze mil reais somente pelas carretas de transporte. “A solução para isso é a instituição de parcerias. Se eu tivesse outra fábrica na Bahia ou Tocantins, teria fechado a venda”.
Por conta própria
Em vista da escassez de oferta, muitas pessoas optam por comprar a máquina que produz os tijolos, e tocar a obra autonomamente. Os custos dos aparelhos variam entre três e trezentos mil reais, dependendo da produtividade alcançada, e do modelo - que pode ser manual ou hidráulico.
O rendimento “saudável” diário, é de cerca de mil tijolos feitos manualmente por quatro ou cinco pessoas, e cinco mil fabricados através do sistema hidráulico. Para se ter uma idéia, uma casa popular é feita com cinco mil dos pequenos retângulos. No processo, um composto de cimento e terra é prensado, resultando em peças nos formatos tradicional ou de encaixe.
Após saírem da máquina, as peças devem curar por 24 horas em lugar protegido. Depois, são banhadas em água por três minutos, permanecem mais seis dias cobertos e outros dez ao ar livre. Segundo o professor da COPPE/UFRJ, Francisco Casanova, essa é a medida de tempo ideal para o tijolo ter boa qualidade.
Pesquisador veterano do solo-cimento, ele alerta para as variações não aconselháveis que muitas empresas aplicam na produção das peças. “Pela internet você encontra tijolos que são vendidos após uma semana. Aí o produto pode dar problema, trincar. Nem mesmo a terra escura, vinda de entulho, é recomendada para a produção como alguns lugares divulgam.”
Na opinião de Valdir Perusi, diretor de uma empresa paulista exportadora de máquinas para o solo-cimento, é possível produzir o tijolo com qualquer terra. O importante é acertar na correção. “Geralmente as pessoas testam a matéria-prima fazendo um “quibe” com as mãos. Se sujar, ela está úmida e necessita de mais areia. Se quebrar está arenosa e pede mais argila para conferir liga ao composto”, explica. Perusi ainda ressalta a praticidade do tijolo fabricado no formato de encaixe. “Essa possibilidade agiliza a obra, pois assim que é encaixado, o tijolo se alinha corretamente e não solta mais.”
Nessa caso, não há necessidade de cimento para fixar os tijolos, fato que também alivia o mercado de extração do calcário em montanhas. Assim mesmo, aproximadamente 10% da matéria-prima deve ser cimento. Praticamente isento do uso do material, o Instituto de Permacultura da Mata Atlântica (IPEMA), de Ubatuba (SP), leva a experiência ecológica mais a sério.
“Tentamos ter experiências com o mínimo de cimento para evitar impactos como o que ocorre na cidade de Apiaí”, diz Marcelo Bueno, fundador da organização, se referindo a questão crítica da exploração do calcário em Unidades de Conservação no sul de São Paulo.
Em Pirinópolis (GO), o monitor do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (IPEC) Gustavo Carvalho, relata a grande utilização do barro em construções neutras em impacto, mas reconhece o mérito do solo-cimento. “Ele não chega a ser 100% livre de interferências, porém é muito mais isento que as opções tradicionais, que seguem um método destrutivo e poluidor”.
Ao contrário do IPEMA, o instituto de Goiás possui um centro de convenções feito de solo-cimento. “Seu formato é arredondado para conferir maior distribuição de força e serem utilizadas menos estruturas de ferro. Dessa forma o tijolo se auto-sustenta”, explica.
Casinha e casarão
O empresário cearense Moacir Gonçalves foi um dos interessados nas soluções oferecidas pelo solo-cimento, após ter acessado as reportagens. “Esse tipo de tijolo é o ovo de Colombo da construção civil para moradias de baixa renda. Fortaleza necessita de investimentos nesse sentido, portanto consideraria apostar no negócio”, diz ele, que trabalha com restaurantes.
As casas populares e de médio porte consistem em projetos mais simples pois não necessitam de cálculo estrutual ou de um pilar mestre. Dotado desses requisitos, um prédio de sete andares feito de tijolo ecológico já foi erguido em São Paulo, segundo Borgongino, da Enrico Rio.
Apesar do grande apelo popular, muitas moradias de alto padrão estão sendo construidas com o solo-cimento, em cidades serranas do Rio e São Paulo. Sob o argumento de aproveitar a estética atraente do produto, as paredes são deixadas propositalmente sem reboco. “Percebo que a maioria da procura pelas pessoas de alta renda, se dá em função da beleza do material e não pelo benefício ambiental”, afirma Perusi.
A tendência pode constituir apenas falta de informação, mas segundo o professor Casanova, a demanda dos tijolos pela classe alta inflaciona o preço do material. “O custo padrão de mil tijolos é de 350 a 400 reais. Mas as poucas fábricas maiores que já existem fecham pacotes por 800 reais, pois acabam incluindo outras estruturas, como a equipe de construção.”
Outra barreiras para o solo-cimento ser utilizado em grande escala é a escassez de informações técnicas a respeito. Segundo Casanova, as detentoras originais dos protocolos de qualidade eram as universidades federais, que investiram nessas pesquisas em maior escala na década de 70. Assim, é indicado que os interessados confiram se cursos ou informações são oferecidas em orgãos de pesquisa ou instituições de ensino em seus estados.
“Não basta as pessoas comprarem a máquina e se desesperarem depois, ao ver o tijolo se desmanchar. É como uma receita de bolo, há que se ter o mínimo de embasamento”, diz o professor. Tendo ministrado na UFRJ durante um ano e meio, um curso sobre o solo-cimento, Casanova pretende lançar um site que responderá a perguntas mais frequentes a respeito do assunto.
Detran engajado
Citado na reportagem “Tijolo sobre Tijolo” por sua iniciativa social, Casanova continua orientando a fabrica de tijolos ecológicos sediada na penitenciária Esmeraldino Bandeira, em Bangu, zona oeste do Rio. Desde agosto de 2005, até hoje, o trabalho social rendeu um enriquecido portfólio montado graças aos dois milhões e meio de tijolos já produzidos. Os 250 presos que passaram até agora pelo curso, reconstruíram suas auto-estimas recebendo salários e certificados aprovados pela UFRJ – em casos de bom desempenho.
“A fábrica de Bangu fez posto de saúde, laboratório de análises, escola para crianças deficientes e até quisoques para camelôs, cobrados a um real por dia. Agora temos mais planos pela frente”, conta o pesquisador. No horizonte pouco distante, outra empreitada atestará o sucesso da iniciativa: a primeira cabine de solo-cimento encomendada pelo Detran-RJ, será inaugurada em Macaé, estado do Rio, no início de setembro. O objetivo é substituir 52 antigos contâiners de metal. Em Campos, também no Rio, todo o prédio do Orgão será renovado.
Se o argumento ecológico do tijolo não convenceu os apegados a praticidade, talvez a comparação ilustrativa de preços ajude: a primeira obra encomendada ao presídio de Bangu foi uma escola de 205 m². Entre as outras propostas, a que saía mais barato custava 150 mil reais. Após a conclusão da obra pelos presos, o custo parece ter agradado o cliente. Saiu por 70 mil.
(Por Gabriela Machado André, OEco, 14/09/2007)