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hidrelétrica de pai querê bacia do rio uruguai passivos de hidrelétricas
2007-09-14
Um grupo de ambientalistas da Fundação Gaia e do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), de Porto Alegre, está prestes a protocolar no Ministério do Meio Ambiente um estudo em que especialistas em diversas áreas apontam danos irreversíveis à biodiversidade que deverão se desencadear caso o projeto da hidrelétrica de Pai Querê tenha licença ambiental concedida. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) desta usina está a cargo da empresa de consultoria Engevix e se arrasta desde 2002. Mas a obra teve o processo de licenciamento suspenso no ano passado pelo Ibama até que fosse concluída a Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Uruguai. Esta foi uma exigência do Ministério Público depois de uma fraude no EIA de Barra Grande, elaborado pela mesma empresa. Apesar de constatada a omissão de nada menos do que seis mil hectares de florestas no estudo de Barra Grande, o mesmo empreendedor pretende agora encravar Pai Querê a cerca de 60 quilômetros desta primeira obra, sem qualquer consideração com respeito aos impactos cumulativos de ambos os projetos e dos demais que para a área estão programados.

Na noite da última segunda-feira (11/09), o professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Ecologia e integrante do Ingá, Paulo Brack, apresentou estudos realizados por ele e por seus alunos na área de influência direta e indireta do projeto de Pai Querê, planejado para atingir uma extensão de 80 quilômetros do Rio Pelotas e gerar 292 megawatts – o equivalente a dois parques eólicos como o de Osório. “Ainda temos tempo de segurar”, disse o professor Brack, ao introduzir a palestra sobre o empreendimento que considera como mais uma das conseqüências de um projeto de crescimento econômico equivocado, gestado já na época da ditadura militar (anos 70/80). Segundo ele, desde então está prevista a instalação de mais ou menos uma centena de obras entre hidrelétricas e aproveitamentos similares na grande área do Rio Uruguai e em cursos hídricos próximos, na região Nordeste do Estado, uma das mais ricas em diversidade de fauna e flora, onde estão belezas como o Salto Yucumã.

“Temos conhecimento, desde a década de 70, de estudos do governo, com levantamentos de flora na área do Parque Estadual do Turvo, para a implantação de várias hidrelétricas nessa região. Pelo menos 24 estavam previstas”, afirmou Brack, para quem o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento do atual governo federal – é uma espécie de herdeiro dessa idéia de gerar energia sem preocupação com a sustentabilidade ambiental. “Se temos que construir hidrelétricas, deixemos algumas áreas como reserva”, defendeu o professor, mostrando fotos de paisagens de valor natural, histórico e cultural já submersas pelas hidrelétricas de Ita e Machadinho. “O Código Florestal determina que 20% das áreas desses empreendimentos tenham que ser mantidas como reservas naturais legais, mas isto não se respeita mais. É como se os rios não tivessem vida e existissem apenas para se retirar deles a água e se fazerem hidrelétricas”, criticou.

Privatização dos rios
"A paisagem natural está secundarizada porque os rios brasileiros estão virando concessões privadas", observou Brack, ao ilustrar a tragédia ambiental de Barra Grande: “A Baesa [empreendedora] comprou a concessão. Antes, era o governo quem produzia energia”. No caso de Barra Grande, o estudo original apontava 9% de florestas a serem inundadas na área do projeto, mas uma revisão realizada pelo Ibama mostrou que foram, na realidade, 67%, disse. “É o resultado de nos afastarmos do meio natural. Quanto mais nos afastamos, mais fácil fica para os empreendedores fazerem esse tipo de estudo. No Brasil, EIAs e RIMAs [Relatórios de Impacto Ambiental, que resumem os EIAs] são ficção.” A criação de uma unidade de conservação na região para onde está programada Pai Querê – proposta como parte da compensação no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado entre Ministério Público e Baesa – é uma das apostas dos ambientalistas para que os empreendedores desistam da obra. Brack afirma que a Baesa teria que desembolsar R$ 21 milhões para adquirir uma área de 5,7 mil hectares o mais similar possível à que “desapareceu” com Barra Grande. “A mais semelhante fica próximo ao Parque Nacional de São Joaquim”, ou seja, na prática, essa compensação se torna inviável com a instalação de novas hidrelétricas, programadas pelo PAC.

Cinco milhões de árvores desaparecerão
Pai Querê, se concedida, vai gerar metade da energia de Barra Grande e inundar 6.120 hectares, dos quais 3.940 de araucárias – um total de aproximadamente 5 milhões de árvores, conforme estimativas do professor Brack. De acordo com ele, há uma grande insistência na construção da usina por parte do governo e de empresas catarinenses, que alegam poder compensar os danos ambientais com a construção de um corredor ecológico. “Mas a existência desse corredor, de fato, poderia demorar 150 anos entre o plantio e o desenvolvimento”, nota. O pesquisador ressalta que está havendo falta de precaução na proposta da hidrelétrica. Lembrou que no caso de Barra Grande, a área de preservação permanente (APP) deveria ser de cem metros a partir do reservatório, e o próprio Ibama descumpriu essa exigência, deixando por 30 metros.

Biodiversidade não documentada
A área destinada a Pai Querê está em um núcleo da Mata Atlântica de extrema significância quanto à biodiversidade, porém o EIA da Engevix não documenta com detalhes esta situação. “É uma área de endemismo com uma grande diversidade de peixes, tendo sido encontradas mais de dez espécies nos últimos dez anos”, testemunha o professor. Peixes como o dourado, por exemplo, precisam de pelo menos 120 quilômetros de águas com correnteza para se reproduzir. “E há espécies ainda a serem descobertas na região”, complementa.

Além de peixes, estão ameaçadas espécies de reófitas (plantas adaptadas a ambientes de corredeiras e não a lagos), orquídeas e bromélias. Os estudantes do grupo do professor Brack encontraram 17 espécies delas em um trabalho de campo realizado no local no ano passado. “Mas no EIA de Pai Querê não estão citadas”, denuncia. Segundo ele, em cinco dias de trabalho, seus alunos encontraram 250 espécie de plantas que podem desaparecer com o lago da usina. “A Engevix ficou um ano lá e nada consta no EIA”, compara. Araucárias de 130 anos também estão ameaçadas, além de um minicânion mostrado pelo professor em um slide da Vista do Rio dos Touros, em Bom Jesus.

Sinais de desmatamento antes da licença
Estudantes da UFRGS e da PUC que estiveram na área destinada a Pai Querê em setembro do ano passado informaram, após a palestra, que já existem sinais de desmatamento no local. De acordo com eles, estão sendo realizados trabalhos muito semelhantes aos de prospecção e há sinais de cortes de araucárias. Eles informaram terem visto caminhões sendo carregados com madeira destinada a serrarias.

Brack lembrou que espécies já desapareceram da região, como a goiabeira serrana, caracterizada por brotamento de flor vermelha, cujas mudas foram levadas do Brasil para a Austrália. Atualmente, informou, essa espécie tem grande valor comercial naquele país. Entre os animais, estão seriamente ameaçados na área de Pai Querê a gralha azul, a jaguatirica, o puma, o picapau do peito roxo e a águia chilena. Onças não são mais registradas há três ou quatro décadas. No final do encontro, representantes da Fundação Gaia, do Ingá e o público de aproximadamente 30 pessoas debateram formas de disseminar as informações sobre a ameaça à biodiversidade para tentar mobilizar a população contra a aprovação de Pai Querê.

EPE comunica conclusão de AAI
Um dia depois da apresentação do professor Brack, a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), vinculada ao Ministério das Minas e Energia, divulgou um release comunicando a conclusão da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) no Rio Uruguai.

Segundo a EPE, “na bacia do rio Uruguai encontram-se hoje em operação cinco usinas hidrelétricas gerando 3.043 MW e uma usina em construção, com 880 MW de potência instalada. Outras cinco hidrelétricas (1.342 MW de potência prevista) estão com estudos de viabilidade aprovados, além de três aproveitamentos que estão com estudos de viabilidade em elaboração, com 1.088,6 MW, e um aproveitamento de 47 MW com estudo de inventário aprovado. Esse conjunto potencial de nove novos empreendimentos acrescentaria 2.477,6 MW na geração de energia dessa bacia até 2015. Ou seja, até esse horizonte, 15 usinas poderão gerar um total de cerca de 6.760,6 MW. A essa potência instalada, ainda apresenta condições de ser acrescentado um volume de 104 MW, que corresponde ao potencial a ser gerado por uma usina hidrelétrica até 2025. Nesse horizonte de tempo, todo o aproveitamento do potencial hidrelétrico inventariado da bacia do rio Uruguai foi considerado no estudo”. A conclusão da AAI representa um fator de estrangulamento para a ação dos ecologistas em defesa da biodiversidade na bacia do Uruguai, pois era justamente esse estudo que faltava para o processo de licenciamento de Pai Querê ter continuidade.

(Cláudia Viegas, Ambiente JÁ, 14/09/2007)

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