Uma em cada cinco raças de bovinos, suínos, ovinos, caprinos e galináceos deve desaparecer do planeta, nos próximos anos, segundo recente relatório da agência da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). O documento - o primeiro levantamento mundial de recursos genéticos animais feito pela ONU - alerta para o desaparecimento de pelo menos uma raça desses animais domésticos por mês, desde o ano de 2000, em todo o mundo.
Mas o problema é especialmente grave nas nações em desenvolvimento da África, da Ásia e da América Latina, onde raças nativas - com características genéticas únicas - vêm sendo substituídas em massa por outras mais produtivas, a maioria originárias da Europa ou dos Estados Unidos. O Brasil não está isento do problema e luta, já há algumas décadas, para preservar sua diversidade genética e evitar a extinção de suas espécies. (Conheça exemplos de sucesso na conservação de raças bovinas brasileiras)
- Populações valiosas estão desaparecendo em escala alarmante - disse por ocasião do lançamento do relatório, na Suíça, o especialista em recursos genéticos Carlos Seré, diretor geral da International Livestock Research Institute (ILRI), instituição que contribuiu com a FAO para o levantamento inédito. - Em muitos casos, nós só saberemos o verdadeiro valor de uma raça quando esta já estiver extinta.
Segundo o documento, que analisou os espécimes de bois, porcos, ovelhas, cabras e frangos existentes nas fazendas de 169 países, quase 700 raças entraram em extinção desde o início do século XX, entre elas algumas tipicamente brasileiras, como o boi Guademar e o porco Junqueiro.
- A cada população que desaparece, características genéticas únicas, que podem ser fundamentais para o cultivo de animais domésticos no futuro - como a resistência ou imunidade a determinadas doenças - se perdem para sempre. Se nada for feito hoje, teremos opções cada vez mais limitadas amanhã - disse com exclusividade ao GLOBO ONLINE o diretor de biotecnologia do ILRI, Ed Rege. - Atualmente, 1.487 raças encontram-se ameaçadas, sendo que 579 correm risco iminente de desaparecer, o que exige a tomada de ações imediatas - enfatizou.
Entre as "ações imediatas" sugeridas pelos autores do documento está o estabelecimento de bancos de genes a fim de conservar sêmen e óvulos das raças em via de extinção. O problema, segundo o relatório, é que cerca de 60% dos países ainda não contam com estruturas para a conservação genética. Principalmente na África, uma das áreas mais afetadas pelas extinções.
Doadora da raça Junqueira, usada na clonagem bovina - Divulgação/Embrapa
- É inegável que faltam programas de conservação de raças, especialmente nos países em desenvolvimento, onde se encontram as maiores reservas de raças domésticas nativas. Mas o principal entrave para o aproveitamento inteligente e sustentável das raças atualmente existentes ainda é a falta de informações sobre os recursos disponíveis - avaliou Rege.
Segundo o pesquisador, se os produtores não sabem quê características genéticas cada espécie possui, estão arriscados a abandonar raças tradicionais por animais importados supostamente "mais produtivos", mas que não se adaptam às condições climáticas e sanitárias do seu ambiente.
No Brasil, a conservação de recursos genéticos não é novidade. Desde a década de 80, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em associação com criadores, universidades e outras instituições de pesquisa, investe na preservação de raças seculares de animais domésticos ameaçados de extinção. São bovinos, suínos, caprinos, ovinos, asininos, bubalinos e eqüinos que estão no Brasil desde a época da colonização, mas que foram sendo substituídas por outras raças consideradas mais rentáveis ao longo dos séculos e por isso hoje correm risco de desaparecer.
- A extinção dessas espécies representaria uma perda significativa para a Ciência e para a pecuária brasileiras, pois possuem características de rusticidade, adaptabilidade e resistência a doenças e parasitas adquiridas ao longo dos séculos, que podem ser muito importantes para o desenvolvimento de programas de melhoramento genético animal, a partir da transferência dessas características para raças mais produtivas - explicou ao GLOBO ONLINE Arthur Mariante, coordenador do programa de Conservação e Utilização de Recursos Genéticos Animais da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que participou do lançamento do relatório da FAO.
O projeto de conservação coordenado pela Embrapa hoje coleciona casos de sucesso. Ele está organizado em núcleos de criação distribuídos por todo o país, em parcerias diversos países (como Argentina, Uruguai, Colômbia, Espanha, Portugal, México e EUA) e também sob a forma de um banco genético que conta hoje com mais de 65 mil doses de sêmen de diversas espécies, especialmente bovinos, e aproximadamente 300 embriões. (Leia a íntegra da entrevista com Mariante)
- Esse material pode ficar conservado para sempre em botijões de nitrogênio líquido a - 196° C - contou o pesquisador brasileiro que, no entanto, não acredita que os bancos de genes sejam a solução para todos os problemas. - É fundamental que se encontrem nichos de mercado nos quais as raças a serem preservadas se mostrem rentáveis. Não é possível conservá-las com sucesso se não se pode usa-las.
(
O Globo, 13/09/2007)