Nas décadas de 1970 e 1980, houve forte presença de garimpos na região amazônica. Como conseqüência dessa forma de exploração, muitos rios foram - e continuam - contaminados por mercúrio, principal metal utilizado na extração. Apesar disso, uma pesquisa concluída recentemente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com a Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir), aponta que a exposição ao mercúrio nas populações ribeirinhas da bacia dos rios Madeira (RO) e Tapajós (AM) não as afeta.
Comparadas com populações de áreas rurais do Espírito Santo, não contaminadas pelo metal, as crianças das comunidades ribeirinhas tiveram o mesmo desempenho no teste de avaliação dos efeitos do mercúrio.
Uma das hipóteses para esse fato, ainda em estudo, é a alimentação da população local: "Na pesquisa, comparamos peixe e cabelo humano. Os níveis que encontramos no cabelo são diretamente relacionados ao consumo de peixes", afirma João Paulo Torres, pesquisador do Laboratório de Radioisótopos Eduardo Penna Franca da UFRJ e revisor da tese. Uma substância contida na mandioca, suspeita-se, produz uma liga com o mercúrio e inviabiliza a intoxicação.
Desde muito cedo as crianças já são expostas à contaminação do metal pesado - pelo leite materno -, e depois pelo peixe, base da alimentação nas comunidades ribeirinhas: o peixe não é só "a mais importante fonte de proteínas e lipídios essenciais, mas também de substâncias neurotóxicas", afirma a pesquisa.
Apesar de cada pessoa consumir, em média, meio quilo de carne branca por dia, e do ciclo do mercúrio no animal favorecer a contaminação, há algum processo alimentar que ameniza o efeito do metal, sugere o estudo.
Aumento da contaminaçãoApesar de não demonstrar significativa alteração comportamental ou orgânica com a contaminação por mercúrio, as comunidades locais podem ter essa quantidade aumentada, como se mostrou em relatórios de impacto ambiental, com a construção das usinas hidrelétricas no Rio Madeira, por exemplo.
Segundo o pesquisar João Paulo Torres, "os estudos do nosso grupo indicam que as barragens contribuem para a elevação dos níveis de mercúrio. Com duas barragens em seqüência, talvez, possa ocorrer um efeito de potenciação desta contaminação. Isso é uma hipótese a ser trabalhada no acompanhamento do empreendimento".
Mudança da dietaSe essa contaminação se confirmar nos rios, o estudo mostra que seria prudente alterar a dieta da população, equacionando o consumo de peixe e complementando a alimentação com outras fontes nutritivas.
Por outro lado, os pesquisadores temem que a mudança prejudique a saúde das comunidades ribeirinhas: "esta estratégia é perigosa pela possibilidade de alterar hábitos e de trazer riscos de doenças atribuídas ao excesso de carboidratos e gorduras saturadas", destaca o estudo. E conclui: "Uma previsão menos fantasiosa e mais provável sobre a dieta (hoje balanceada) do ribeirinho será sua alteração como fruto do impacto das novas hidrelétricas no Madeira, da invasão da cultura da soja e da chegada do asfalto para tráfego de caminhões, os quais levam madeira e trazem calorias".
(Por Eduardo Paschoal,
Amazonia.org.br, 11/09/2007)