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conf. nacional meio ambiente política ambiental brasil
2007-09-12
A III Conferência Nacional de Meio Ambiente (CNMA), a ser realizada em um intervalo de mais ou menos dois anos, mais uma vez está sendo preparada sem avaliar as anteriores.

No momento atual, estão sendo organizadas reuniões regionais e estaduais, com pautas pré-estabelecidas, com encontros que ocorrem desde agosto de 2007 até maio de 2008. No ano que vem, em Brasília, está prevista a etapa final, podendo reunir quase dois mil delegados.

A iniciativa começou em 2003, após as conferências estaduais, com o tema principal “Vamos cuidar do Brasil”, tendo o mérito do ineditismo e da iniciativa provinda de uma ministra com uma trajetória invejável do ponto de vista socioambiental e que trazia muita expectativa de parte dos ambientalistas, quando do início de sua gestão.

Apesar das conferências anteriores reunirem 65 mil e 85 mil pessoas, segundo cálculos do governo federal, elas ainda engatinham ou estão engessadas em seu processo, com forte caráter governamental desde a fase de construção até as deliberações, sem a autocrítica e os ajustes necessários.

Em primeiro lugar, um dos principais vícios das conferências é manter o processo sob controle quase total do governo, dando a impressão de que existe uma blindagem a fim de tapar qualquer brecha a críticas no que toca as políticas governamentais. Sobraria às organizações da sociedade assumirem, ou não, uma parceria para os debates, de forma engessada e limitada. Em geral, as adesões ocorrem, de preferência, de parte daquelas simpáticas quanto às linhas governamentais.

Ou seja, as conferências são organizadas, conduzidas e tem sistematização e encaminhamentos de suas deliberações por círculos fechados, quase que estritamente governamentais, ou pelo rol de seus simpatizantes. A sociedade pouco participa de todas as etapas, ou seja, deixa de ser protagonista deste espaço público de construção.

Poder-se-ia dizer que a III CNMA deve superar o vício de um processo “chapa-branca”. Este vício não é de agora, tendo entre outras raízes as conferências estaduais, tornando-se mais comemorativas do que construtivas de políticas, pois estas poderiam ferir interesses.

Em segundo lugar, as deliberações apresentadas e aprovadas nas conferências anteriores, em sua grande maioria, não são traduzidas em ações.

A página do MMA (Ministério de Meio Ambiente) ilustra bem este fato, quando é apresentada para cada ação a frase: “Estamos aguardando informações do Órgão Governamental competente”. Obviamente, devemos reconhecer que o intrincado de ações é muitas vezes complexo, pois envolve vários atores, inclusive os setores não governamentais. Entretanto, o processo começa a ganhar riqueza quando caminha no sentido da transversalidade, tão propalada pelos governos e políticos, mas ainda muito longe da realidade.

Em terceiro lugar, a CNMA, na prática, prioriza mais a eleição de delegados do que pelo estimulo à discussão de temas e à preparação de documentos, onde seriam debatidos eixos e estabelecidas metas para as deliberações. Assim, a coordenação representada pelo governo mostra-se mais preocupada em anunciar o elevado número de participantes e de delegados do que colocar em discussão como implementar as propostas. Talvez, o mais importante da CNMA não seja o tema, em si, mas o processo de discussão e da construção dos compromissos de todos.

Os encontros anteriores foram pobres em discussão, sendo que entidades como a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e outras da área ambientalista chegaram a não enviar ou mesmo ter a impossibilidade de eleição e encaminhamento de representantes para o encontro nacional. Entidades importantes, como a AGAPAN (www.agapan.org.br), também realizaram críticas à conferência por esta não estabelecer uma representatividade por entidades e sim por delegados eleitos, conforme o número de participantes. Estes problemas podem ser considerados toleráveis nas primeiras conferências, entretanto, na terceira isso tem que ser superado.

Em quarto lugar, a pauta já vem fechada. Queiramos ou não, o governo já decidiu que o tema da terceira conferência será as “Mudanças Climáticas”, com os subtemas: (i) Aspectos científicos das Mudanças Climáticas; (ii) O regime internacional das Mudanças Climáticas; (iii) O Brasil e as Mudanças Climáticas e; (iv) Educação Ambiental e as Mudanças Climáticas. Sem tirar o mérito destes temas, tão importantes para o futuro da humanidade, não teremos outros também importantes ou mais urgentes? Haveria sentido em trazer mais uma pauta, sem avaliar as políticas implementadas e o modelo de desenvolvimento que o Brasil está adotando?

Como fato ilustrativo desta falta de sintonia das políticas governamentais e a intenção em “cuidar do Brasil” é o relacionado a declarações feitas pelo presidente Lula, depois das eleições de 2006, e da Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, entre outros, de que os processos de licenciamento ambiental estão entre os principais entraves ao crescimento do País.

Nos Estados, os governos pensam de forma semelhante. Ou seja, setores importantes dos governos, sem nenhuma política de resgate à vocação de desenvolvimento sustentável do país mais biodiverso do mundo declararam, explicitamente, que o Meio Ambiente atrapalha o “desenvolvimento”. Fato recente que evidencia a velha concepção de crescimento divorciada do meio ambiente é o caso das recentes licenças para as mega-hidrelétricas do rio Madeira.

De acordo com Philip Fearnside, o segundo cientista mais citado no mundo, com relação às mudanças climáticas, as hidrelétricas, nas condições atuais dos rios brasileiros, são verdadeiras “fábricas de metano”. Nos lagos das hidrelétricas, a produção de metano, proveniente da decomposição dos restos vegetais, é 20 vezes maior do que o CO2 para contribuir ao efeito estufa, tendo quatro vezes mais capacidade para isso do que os combustíveis fosseis.

Para piorar a situação, as hidrelétricas que interrompem os corredores ecológicos, das artérias de vida representadas pelos rios, terão projetos de eclusas e hidrovias para a navegação de produtos de exportação do agronegócio como grãos, principalmente a soja, e minerais, em detrimento da floresta.

No caso do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), a concepção de desenvolvimento sem sustentabilidade é ilustrada quando a palavra “ambiente”, no sentido ecológico, praticamente é substituída pela expressão “ambiente de investimento”. Isso está patente nos documentos do PAC, disponíveis na página eletrônica do Ministério do Planejamento.

Pior ainda, ali estão várias obras sem licença ambiental, como no caso da Hidrelétrica de Pai Querê e, até há pouco, das hidrelétricas do rio Madeira. Pouca gente sabe que o programa decenal do governo (2007-2016) de produção energética (MME) por meio de grandes hidrelétricas, como as gigantes Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, poderá desalojar mais de 100 mil pessoas nos próximos dez anos, segundo cálculos dos próprios técnicos da Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia.

Por que não colocar na pauta a discussão o caminho pela infra-estrutura sustentável, que ajude o pequeno e não ao mega-empreendimento do agro-hidronegócio, que já sugou os recursos naturais da Nação? Quantos milhares de hectares de florestas e outros ambientes naturais desaparecerão para alimentar a exportação de produtos com quase nenhum valor agregado, como aqueles das empresas elétro-intensivas (aço, alumínio, pasta de celulose, etc.)?

E o tema dos transgênicos? Como explicar o retrocesso do governo federal, principalmente por meio da Casa Civil e do Ministério de Ciência e Tecnologia, para acelerar a aprovação dos OGMs, derrubando a precaução na diminuição do quorum mínimo de 2/3, para metade mais um, para a sua liberação comercial?

Outro aspecto que ilustra a demanda de maior poder pelo insustentável é a não justificativa para diminuir de 10 km para 500 m a área sem OGMs nas zonas de amortecimento dos parques e reservas. E o futuro da sustentabilidade brasileira calcada em outras fontes grandes como as usinas nucleares de Angra, caríssimas e sem destino seguro para seus resíduos radioativos? Por que se teima em desengavetar projetos da década de 70, concebidos em pleno governo militar?

As conferências não podem continuar sendo palcos pouco eficientes para enfrentar esta esquizofrenia geral de um modelo atrasado de crescimento, pré-Conferência de Estocolmo, de 1972. Pior ainda, em um momento de expansão do poder das grandes empresas e do neo-liberalismo, com a concepção crescente pró-Estado Mínimo. Enquanto as políticas econômicas prezarem o Grande Mercado Global e sua lógica pela Hipertrofia Ilimitada do Capital, estaremos gerando mais desigualdades e, também, os próprios gases que alteram o clima. O núcleo duro dos governos está acenando para seguir o “Paradigma da China” para tornar o Brasil uma Grande Potência Econômica, com crescimento sem limites. Esta pauta ficará embaixo do tapete?

As agendas ambientais não podem ser simples cartas de boas intenções, sem metas e sem compromissos. O desenvolvimento sustentável deve ser buscado, discutindo-se modelos mais amigáveis de relação ecológico-econômica. Neste sentido, não é possível conceber as conferências sem a discussão do principal tema que continua sendo o modelo de desenvolvimento adotado no país e, também, como fazer para que o processo de mudanças se torne permanente e com metas.

Entre estas, poder-se-ia levantar questões a serem enfrentadas, de forma quantitativa, como, por exemplo, a diminuição das grandes hidrelétricas, o estabelecimento das Reservas Legais e das Áreas de Preservação Permanente, a incorporação na agricultura de nossas mais de 3 mil espécies de frutas nativas e pela diminuição drástica dos desmatamentos. Tudo isso, com metas temporais: Rio + 20, ou seja, o ano 2012. De outra forma, poderemos ver a “Meta 2014” (Copa do Mundo) engolir nossas boas intenções de sobrevivência, e o paradigma do Planeta virar, mais uma vez, uma bola de futebol.  

(Por Paulo Brack*, EcoAgencia, 05/09/2007)
* O autor é professor do Instituto de Biociências  da UFRGS, membro da ONG ambientalista, INGÁ - www.inga.org.br

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