No exato momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva aos países nórdicos o seu projeto-obsessão, os biocombustíveis, esse tipo de energia alternativa recebe um petardo na linha de navegação.
A OCDE advertiu ontem que os biocombustíveis fazem mal à saúde (da economia mundial), podem prejudicar ecossistemas e nem são tão relevantes para conter as emissões dos gases que causam o efeito estufa e levam ao aquecimento global, o novo fantasma a assombrar o planeta.
OCDE é a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o clubão dos 30 países mais ricos do mundo, que, há quatro meses, convidou o Brasil para ser membro pleno (hoje é apenas observador).
Reúne, portanto, todos os países que Lula quer atrair para um programa global de investimentos na produção de biocombustíveis, caso de Estados Unidos e das principais nações da União Européia.
O relatório da OCDE, antecipado ontem na capa pelo jornal britânico "Financial Times", diz que "o presente esforço para expandir o uso de biocombustíveis está criando insustentável tensão que desorganizará os mercados sem gerar benefícios ambientais significativos".
Traduzindo: a corrida para plantar produtos que possam se transformar em álcool leva a uma alta de preços dos alimentos, na medida em que o plantio destes é deixado de lado em favor do mais rentável biocombustível.
Relatório anterior da OCDE, em conjunto com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), já dizia que a alta dos preços de alimentos lançara na agenda o debate "comida x combustível". Previa, ademais, que os preços das commodities agrícolas tendiam a ficar acima dos níveis históricos pelos próximos dez anos, em parte por causa da competição com a produção para combustíveis.
É paradoxal que o argumento do clube dos ricos seja muito parecido com o que vem sendo usado pelo maior inimigo ideológico deles, o presidente cubano Fidel Castro.
Agora, no entanto, o alerta da OCDE vai mais longe, ao apontar outros problemas. Primeiro, diz que o corte na emissão de gases poluentes será de magros 3%, com a adoção dos biocombustíveis em substituição aos combustíveis fósseis.
Depois, ainda aponta a tendência de substituir com plantações para a bioenergia "ecossistemas naturais, como as florestas, os pântanos e as pastagens".
O relatório tem, entretanto, um viés que pode neutralizar ou anular sua consistência técnica: leva em conta custos de biocombustíveis produzidos nos Estados Unidos e na Europa, que são reconhecidamente altos demais. O álcool norte-americano sai do milho, ao passo que o brasileiro é derivado da cana-de-açúcar, com custo de produção 30% menor.
Além disso, "o balanço energético é extremamente favorável: a cana produz 8,3 unidades de energia renovável para cada unidade de energia fóssil utilizada para produzi-la, um valor 5,5 vezes superior ao que o milho produz", afirma estudo de Marcos Jank, um dos maiores especialistas brasileiros em agricultura.
Jank nega também que o dilema "comida x combustível" se aplique ao Brasil: "O Brasil poderia produzir os 132 bilhões de litros de álcool, que seriam necessários para substituir 15% da gasolina dos Estados Unidos [meta do governo Bush], com cerca de 20 milhões de hectares de cana-de-açúcar, o triplo da área atual de cana, porém apenas 10% da nossa reserva de pastagens".
De todo modo, o impacto político de um relatório que leva o selo da OCDE é poderoso. Certamente a disputa "comida x combustível" acabará ocupando o centro do palco, na reunião que o presidente Bush convocou para este mês com os líderes de 15 países, entre os quais o Brasil, para discutir a questão.
(Por Clóvis Rossi,
Folha de S.Paulo, 12/09/2007)