Parece evidente que a liberação de 3 hectares anuais para desmatamento em pequenas propriedades rurais na Amazônia, não está vinculada à necessidade da realização de plantios de subsistência para amenizar a fome. É fácil demonstrar que ou o produtor não possui capital, humano e financeiro, para ampliar seu plantio em 3 hectares todo ano, ou, por outro lado, caso possua, não poderia ser considerado um pequeno produtor e estaria, portanto, distante da condição de esfomeado.
Ou seja, a medida ora não atende à demanda do produtor ora o produtor não se enquadra como seu beneficiário. Além disso, mais grave ainda é o fato de que se trata de uma medida administrativa, oriunda do Ministério do Meio Ambiente e que completará dez anos de vigência. Esse prazo coloca um ingrediente a mais na discussão.
Ocorre que o Incra tem reduzido sobremaneira seu ímpeto para criação e abertura de novos assentamentos. É bem provável que, sobretudo no caso do Acre, nos últimos dez anos não se tenha instalação de novos assentamentos rurais para amparar produtores oriundos de outras regiões do país, o que era comum até a década de 1980.
Resumindo: se os produtores beneficiados pela licença automática para desmatar 3 hectares por ano não estão localizados em assentamentos novos, que, em tese, precisariam ser desbravados, isto é, desmatados e queimados para início do ciclo produtivo, eles, os pequenos produtores, são antigos ocupantes de módulos rurais beneficiados pela reforma agrária há, em média, dez anos. É possível que a maioria esteja, inclusive, ocupando sua colônia por tempo superior. Esse horizonte temporal deveria ser considerado para efeito de licenciamento e se configura em uma informação crucial para tomada de decisão. O Incra e os órgãos de licenciamento deveriam respondê-la.
A matemática agora ficou ainda mais simples. Estando esses pequenos produtores sendo beneficiados por essa licença automática por mais de dez anos supõem-se que a soma de 3 hectares anuais daria, no mínimo, 30 hectares. Uma vez que o módulo rural na Amazônia não é superior a 100 hectares, esses produtores teriam, dessa maneira, 30 hectares já desmatados.
Todavia há uma limitação legal, para desmatamento, em propriedades privadas, na região que é de 20% do total de sua área, os outros 80% precisam ser mantidos com cobertura florestal na condição de Reserva Legal. Ora, 30 hectares seriam 30% da propriedade o que colocaria esses produtores na ilegalidade.
Somente para esclarecer, licenciamento automático diz respeito à liberação para realização de corte raso na floresta, o que significa sua total substituição por plantio de pasto, e que é realizado por simples demonstração de interesse do produtor. Os órgãos ambientais requerem do interessado apenas o preenchimento de uma página de formulário para conversão da floresta. É fácil e rápido.
Bem mais vantajoso que os complicados planos de manejo que o produtor precisa contratar se tiver interesse em trabalhar com a floresta. Investir na atividade florestal se torna, dessa maneira, menos atrativo e mais complicado para o produtor.
Por outro lado, apelar para a subsistência tem sido eficiente para sensibilizar os governantes, o judiciário, o legislativo, os técnicos e a academia. Até o ministério público, em todos os estados da Amazônia, tem demonstrado profundo senso social para flexibilizar a legislação.
Tudo em nome do pequeno produtor e da fome: dois ingredientes de uma combinação trágica para o ecossistema florestal na Amazônia.
(Por Ecio Rodrigues*, Ambiente Brasil /
Adital, 10/09/2007)
*Ecio Rodrigues é Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, especialista em Manejo Florestal, mestre em
Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB)