(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
circulação de automóveis sustentabilidade e capitalismo pensamento de esquerda
2007-09-11
Questionamento ao automóvel revela: pode haver novos caminhos para desnaturalizar e por em xeque as leis sagradas do mercado

Nada, no espaçoso e elegante Rosa Rosarum, faz lembrar os estádios ou salões de assembléias sindicais, onde, no Brasil dos anos 70 e 80, davam-se as grandes batalhas para arrancar do capital parte de seu poder e riqueza. No entanto, durante duas horas e meia, em 8 de agosto, esse parece ser o palco de um novo enfrentamento à ditadura dos mercados. Aqui se traçará o retrato de uma dependência coletiva. Quanto mais o automóvel inflige angústias, sofrimentos e desprazer às sociedades, mais elas se tornam dependentes dele.

A sessão começa com a exibição de "Civilização do automóvel", documentário de Branca Nunes e Thiago Benicchio. Por meio de cenas quotidianas, o filme retrata as distorções causadas por um sistema viário erguido para celebrar o transporte individual. Luciana, como tantos outros moradores da periferia, acorda às 3h40 da manhã para cumprir um trajeto de mais de duas horas e chegar ao emprego sem atraso. Enclausurados em suas cápsulas motorizadas, os cidadãos da classe média perdem contato com a cidade, alternando o ambiente fechado do automóvel com o do condomínio, escritório ou shopping-center.

Secretário-executivo do Instituto de Energia e Meio-ambiente, o engenheiro mecânico André Ferreira entra a seguir. Ele mostra que a máquina de quatro rodas é, destacadamente, o maior responsável pela poluição atmosférica em São Paulo. Responde por 73% do monóxido de carbono respirado, 80% dos hidrocarbonetos, 21% do óxido de enxofre. O ar envenenado provoca problemas respiratórios e cardíacos que reduzem em cerca de 1 ano e meio a expectativa média de vida dos habitantes da cidade. Além disso, um paulistano morre a cada seis horas em virtude de um acidente de trânsito ou atropelamento. São 1,5 mil por ano — mais que o número de soldados norte-americanos mortos anualmente no Iraque.

Aos poucos, o transporte individual torna-se incapaz de satisfazer, inclusive, aos objetivos específicos que justificariam sua existência. A velocidade média do trânsito em São Paulo caiu de já baixos 24,8 km/h, em 1980, para 18 km/h em 2006. No entanto — aqui, o paradoxo — a cidade assiste impotente a todos esses dramas. Ao invés de ocupar espaço, o transporte coletivo de qualidade perde terreno. Em 1967, demonstra Ferreira, ônibus e trens eram responsáveis por 2/3 das viagens motorizadas. Em 2002, e apesar da construção do metrô, o automóvel já representava 53% do total. Enquanto o número de seres humanos em São Paulo cresceu 23%, entre 1976 e os dias de hoje, o de carros particulares aumentou 280%. As imagens que melhor expressam tal mudança são os enormes congestionamentos que se formam todos os dias nas vias periféricas, onde há duas décadas o carro era raridade.

Símbolo do capitalismo
Nenhuma mercadoria é tão emblemática do capitalismo como o automóvel. Ele expressa um modelo de produção e consumo que promete valorizar o indivíduo, mas oferece a este apenas uma sensação ilusória de liberdade e poder — e um leque medíocre de opções. Como a esmagadora maioria de suas escolhas sociais são mediadas pelo dinheiro, os seres humanos tornam-se incapazes de tomar decisões que superem a própria lógica do cálculo econômico. A depender de nossa capacidade monetária, podemos escolher entre um e outro modelo de automóvel, potência do motor, pacote de acessórios ou tipo de combustível. É muito mais difícil adotar as opções que realmente expressariam nossa individualidade e que permitiriam estabelecer relações criativas com a sociedade. Até que ponto permitir que o planeta continue se aquecendo? Que tipos de indústria são mais adequados para cada região? Como reduzir seu impacto sobre a natureza? Qual o sistema de transportes mais capaz de assegurar mobilidade, ar limpo e espaços livres em nosso município?

"(I)Mobilidade", outro curta-metragem exibido em 8 de agosto, ilustra como as sociedades organizadas dessa forma tendem a seguir um padrão único de "desenvolvimento". Desde o século 20, o automóvel e sua indústria receberam incentivos de praticamente todos os governos brasileiros, e a sociedade assistiu ao fenômeno de forma acrítica. Tudo — do Plano de Avenidas (e concretagem de vales...) do prefeito Prestes Maia, na São Paulo dos anos 40, à implantação das primeiras fábricas de automóveis, sob impulso de Juscelino Kubitschek ou ao "regime automotivo" de subsídios às montadoras, adotado em 1994, por Fernando Henrique Cardoso — era visto como sinal de progresso e oportunidade de lucros e empregos.

A própria esquerda entrou no embalo. Em defesa dos empregos, mas sem questionar seu sentido social, as assembléias metalúrgicas do ABC Paulista apoiaram a redução de impostos sobre os automóveis, nos anos 90. Governada por um Partido Comunista, mas interessada em afirmar seu poder econômico, industrial e político, a China segue o mesmo padrão industrial do Ocidente e copia seus planos urbanísticos.

Nossa São Paulo estará disposto a buscar uma alternativa a esse modelo? Ao encerrar sua intervenção, André Ferreira aponta, como grande alternativa para a cidade, a garantia de transporte público de qualidade. Em outra fala, na mesma sessão, Maurício Broinizi, do Instituto São Paulo Sustentável, lembrou que a busca de um novo modelo não pode limitar-se a um gesto simbólico de 24 horas. Um dos instrumentos em que o movimento aposta, para mobilizar em favor da mudança, é um construir um conjunto de indicadores de qualidade de vida.

Se dados como a evolução do número de automóveis circulantes, da média de quilômetros de congestionamento, do tempo gasto nos deslocamentos, das doenças respiratórias causadas pela poluição, do total de acidentes e mortes, da extensão da malha do metrô, corredores de ônibus e ciclovias estiverem disponíveis para todos, o padrão do transporte individual não se reproduzirá com tanta facilidade. Será possível tornar clara, por exemplo, a importância de reduzir a parcela do Orçamento desviada para pagamento de juros, reaproveitando parte dela na ampliação veloz do metrô.

É uma enorme batalha — ainda mais porque Nossa São Paulo não pretende realizá-la pela via rápida da eleição de um líder esclarecido, mas pela paciente mudança de mentalidades. Mas que teria feito o movimento sentir-se capaz de se propor a tanto?

(UOL / Le Monde Diplomatique, 30/08/2007)

desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -