Pelo menos 186 funcionários públicos de Goiás até hoje esperam algum tipo de assistência médica e financeira do Estado. Há 20 anos, todos eles foram expostos à radiação. Na descontaminação das áreas atingidas pelo vazamento do césio 137, dezenas de trabalhadores correram riscos, muitos morreram e muitos sofrem com doenças e diferentes tipos de dor
As vítimas mais esquecidas do césio 137 são também as mais humildes. Elas têm uma história de medo, preconceito e abandono. São 186 trabalhadores do quase extinto Consórcio Rodoviário Intermunicipal (Crisa). Passadas duas décadas desde o maior acidente nuclear em área urbana do mundo – ocorrido em 13 de setembro de 1987, na capital de Goiás –, nenhum deles recebeu a visita da assistência do governo. Muitos vivem de favores. Eles e 44 colegas oficialmente reconhecidas como vítimas da tragédia são alguns dos que ficaram expostos por mais tempo aos focos de contaminação do elemento radioativo, que vazou de um aparelho de raio X, abandonado em um hospital desativado. Eram motoristas, mecânicos, pedreiros, marceneiros, faxineiras e engenheiros do governo de Goiás, responsáveis pela construção e manutenção de estradas no estado.
Para esse grupo, a dificuldade maior é provar a relação de doenças graves ou crônicas com o acidente radioativo, como exige a legislação. O governo goiano reconheceu, em 2002, que todos os seus funcionários envolvidos na descontaminação das áreas afetadas com césio e na construção do depósito do lixo radioativo, em Abadia de Goiás, ficaram expostos aos riscos. Mesmo assim, não houve qualquer ressarcimento por danos psicológicos, morais e materiais.
O então governador Marconi Perillo, hoje senador pelo PSDB, assinou termo com o Ministério Público de Goiás naquele ano. O estado reconheceu como vítimas do césio 417 policiais militares, bombeiros e funcionários do Crisa e da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg) que trabalharam nas áreas contaminadas. O compromisso de dar assistência médica integral e pensão especial de R$ 400 virou lei naquele ano. Em 2001, o Ministério da Saúde havia reconhecido que 429 pessoas que trabalharam no acidente "desenvolveram algum tipo de agravo após a exposição" radioativa. São 221 trabalhadores do Crisa, 189 da PM, 17 homens do Corpo de Bombeiros e duas garis da Comurg. Quarenta já morreram.
Entre os mortos, está Nilson Terenso de Santana. Ele perdeu a vida em março de 2005, no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). Como servidor do Crisa, trabalhou na retirada do césio 137. Nos últimos 10 anos, várias doenças apareceram: pressão alta, diabetes, perda da visão, osteoporose e trombose. Em 1998, teve as duas pernas amputadas e foi aposentado por invalidez com vencimento de R$ 740 pelo INSS. Apesar do sofrimento, morreu sem ser reconhecido como vítima do césio 137 pelo governo goiano.
(Uai, 10/09/2007)