No Pará, um personagem conhecido como Carlos Medeiros é, supostamente, dono de 12 milhões de hectares, o equivalente a mais de 1% do território nacional e a quase um décimo do estado. Nos últimos 37 anos, segundo a Procuradoria da República paraense, uma quadrilha vem negociando ilegalmente partes dessa imensa propriedade com documentos fraudulentos – e esse seria apenas um dos vários casos semelhantes na região. O presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), José Benatti, diz que o problema fundiário no estado só será solucionado se o Poder Judiciário mudasse seus procedimentos.
“Há um entendimento, de parte da magistratura, que a anulação do registro público de imóveis deve ser feita pela via judicial, e não por ato administrativo. Esse, porém, é mais rápido, pois, comprovando-se que o título da propriedade é falso, o cancelamento é providenciado pelo cartório. E, nesse caso, a parte prejudicada é que tem de comprovar que o título é legal”, sustenta Benatti.
Segundo ele, essa postura mais ágil tem tem sido a do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). “Aqui no Pará a coisa é invertida”, comentou à Agência Brasil, em 31 de agosto. “Pela via judicial é muito mais demorado o processo de anulação do registro do imóvel, e o ônus da prova cabe à União. Além disso, se o estado entra com ações de cancelamento de milhares de títulos falsos, o custo é altíssimo e a demora, imensa. Agora, se fosse adotado como peça de anulação o processo administrativo, tenho certeza que a maioria prejudicada não iria contestar, pois não há base legal nos títulos”, ressalta.
Procurada, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) informou que os magistrados do TJ não comentariam a crítica.
Benatti afirma que tanto o Iterpa como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério Público estão tomando providências para a suspensão da venda ilegal de terras do “fantasma” Carlos Medeiros. “São imensas áreas não materializadas, com documentos válidos mas em lugares incertos. Muitos títulos serviram de garantias para compras ou penhoras, ou para 'esquentar' áreas devolutas, tornando-as privadas”, frisa. “Acho que a quadrilha que atua como representante de Carlos Medeiros não está mais agindo. O Medeiros está com o nome sujo na praça”, brinca.
Na primeira quinzena de agosto, a Justiça Federal no Pará decretou a indisponibilidade da Fazenda Novo Horizonte, situada no município de Paragominas, que teria teria sido vendida por Medeiros. Segundo a Procuradoria da República, Medeiros foi “criado” por uma quadrilha de grileiros, em 1975, que forjou um inventário de sesmarias (lotes de terras que os reis de Portugal cediam a quem se dispusesse a cultivar) pertencentes a dois portugueses, mortos há mais de 150 anos. Medeiros, acrescenta a procuradoria, foi apresentado como único “herdeiro” da imensa propriedade, e, a partir daí, pessoas começaram a negociar as terras como procuradores do personagem .
Em dezembro, uma sentença do juiz federal da Subseção de Altamira, Herculano Martins Nacif, declarou a nulidade das certidões de 44 propriedades rurais situadas na região do Xingu, por considerar “a notoriedade de grilagem originada por fraude que remonta a Carlos Medeiros”. As fazendas somam 547.609 hectares.
(Por José Carlos Mattedi, Agência Brasil, 10/09/2007)