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geração de energia
2007-09-10

O senador pelo estado de Roraima Augusto Botelho (PT) vem defendendo nas comissões técnicas e no Plenário a necessidade de o Brasil investir mais na geração de energia atômica. Na sua opinião, com o anunciado fim do petróleo nas próximas décadas, a energia atômica aparece como uma alternativa obrigatória aos países que pretendem dar curso a um processo sustentado de desenvolvimento. Mais: a energia atômica reforça-se por ser compatível com as políticas de combate ao chamado aquecimento global.

Médico por formação, Augusto Botelho vai além: acha que os investimentos que defende são fundamentais para que o Brasil possa continuar gerando novas "cabeças" e "cérebros" em uma área estratégica do conhecimento.

Nesta entrevista à Agência Senado, Botelho também aborda a situação da Amazônia e demonstra que Roraima, um Estado com apenas 500 mil habitantes, tem uma forte vocação agroindustrial, com imensas vantagens comparativas em relação a outros estados brasileiros quando se discute a busca de mercados da própria Região Norte e também da Venezuela, da Guiana e do Caribe. Porém, para que Roraima cumpra sua determinação histórica, acredita, o estado precisa ter sua situação fundiária desembaraçada e livre das amarras do governo federal.

Agência Senado - Senador, não é um paradoxo o senhor representar um estado amazônico e defender o uso da energia atômica no país?

Augusto Botelho - Não há contradição nenhuma nessa postura. Em primeiro lugar, é bom ressaltar que o meu estado, Roraima, não experimenta no momento problemas de fornecimento de energia. Recebemos duzentos megawatts da Venezuela e utilizamos só cem megawatts. Além do mais, temos condições de construir pelo menos três hidroelétricas de potência média.Venho acompanhando com muito interesse a evolução da questão da energia atômica no Brasil e o país está chegando a um ponto um tanto preocupante. Muitas pessoas que entendem desse tipo de tecnologia de ponta vão se aposentar. Em virtude dessa situação, o país precisa gerar estímulos no setor, dar condições para que novas cabeças possam emergir no cenário nacional, o governo deve criar mais oportunidades no mercado de trabalho. Sem contar que o Brasil possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, mineral que se projeta como um dos mais importantes commodities do futuro. Roraima - e este fato nos interessa muito do ponto de vista econômico regional - também deteria importantes jazidas de urânio, principalmente dentro da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

AS -A inteligência brasileira no que diz respeito ao domínio da tecnologia atômica está sendo então sucateada?

AB – Não faria uma afirmação nesse nível, mas todo um pessoal pioneiro e competente está se aposentando e não há uma política pública muito clara para gerar seus substitutos. Daqui a vinte anos admite-se que vai haver falta de petróleo e, nas condições tecnológicas atuais, em escala mundial, o seu substituto será naturalmente a energia nuclear. Ela é mais limpa quando estamos discutindo temas relacionados à camada de ozônio e ao aquecimento global, uma preocupação de todo o planeta. Já existe o conhecimento técnico para guardar com grande segurança o lixo atômico por quinhentos anos e, particularmente, creio que esse lixo atômico, com o desenvolvimento de novas tecnologias, possa também ser aproveitado no futuro de alguma forma para fins produtivos e como fonte de energia. Para se enfrentar toda essa demanda de conhecimento o país precisa de mais cérebros, de mais gente.

AS - Quanto ao lixo atômico, guardadas as proporções do perigo, tivemos um caso parecido com a cana. O vinhoto, um produto antes considerado altamente maléfico, é utilizado como adubo na agricultura.

AB - Exato, é um exemplo interessante. Não há por que temer a energia atômica. As plantas das usinas são feitas com muito cuidado, as tecnologias atuais estão em um estágio muito superior às utilizadas pela então usina de Chernobil, na Ucrânia, construída sob padrões antigos. As nossas duas usinas de Angra dos Reis já são mais avançadas, contam com tecnologias mais atuais. Por exemplo, em nossas usinas o sistema de geração de energia é totalmente isolado do vapor que move as turbinas. Para se ter uma dimensão da importância do ciclo atômico para o Brasil, o país possui conhecimento e recursos técnicos para responder por até setenta por cento da construção de uma usina. Com isso, o dinheiro fica aqui, até mesmo porque uma usina gera dez mil empregos diretos no processo de sua construção, demandando pelo menos quinhentos empregados permanentes quando em funcionamento.

AS- E quando se discute a energia atômica há que se entender que algumas regiões brasileiras estão carentes de outras fontes alternativas.

AB - É verdade. O Nordeste, a rigor, tem poucas alternativas. Poderíamos falar na opção da energia eólica, porém ela é mais cara que a atômica e traz outros inconvenientes. Mesmo que os cata-ventos sejam colocados a vinte quilômetros da praia, o ruído para se gerar mil megawatts seria muito grande. A energia produzida e distribuída no Brasil é predominantemente hidroelétrica - perto de noventa e dois por cento - e nas condições de hoje, se a economia crescer cinco por cento ao ano, certamente os apagões serão inevitáveis. Por isso, acho que o programa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de viabilizar até 2030 a construção de oito novas usinas atômicas é bem-vinda. As usinas atômicas têm uma vantagem: em que pesem os altos investimentos, elas ficam localizadas perto dos centros consumidores, evitando assim a perda energia e de recursos financeiros com as linhas de transmissão. Para além da energia para fins elétricos, o maior domínio da tecnologia nuclear permitiria ao país a construção de reatores atômicos para impulsionar submarinos modernos, fundamentais ao futuro que se descortina. Pelos novos tratados, e tomando por base o tamanho das costas do nosso território, temos uma Amazônia azul duas vezes maior que a Amazônia verde. Submarinos atômicos são estratégicos para o Brasil exercer a soberania real nessas dimensões.

AS - Devemos dar o salto direto para a alternativa atômica?

AB - As coisas não se colocam assim. Tudo isso precisa estar amarrado a uma política maior de energia. Acho, por exemplo, que temos de esgotar toda a nossa capacidade de geração de energia pela via hidráulica, o potencial a ser explorado nesse campo ainda é considerável. Apesar dessa compreensão, é preciso a consciência de que as nações mais ricas buscam dificultar que outros países dominem a tecnologia nuclear, aí incluída a produção de combustível nuclear que usa o urânio como matéria-prima essencial. Já temos uma indústria de combustível em implantação na cidade de Resende, Rio de Janeiro. Uma informação: nessa área já podemos ter vantagens comparativas, pois dominamos técnicas que nos permitem a produção do referido combustível com um gasto de apenas trinta e cinco por cento de energia do total de energia que a matéria-prima seria capaz de gerar. Um índice bem abaixo do que se verifica em outros modelos adotados mundo afora.

AS - O senhor acredita na viabilidade das usinas nucleares anunciadas pelo governo Lula?

AB - É um projeto viável e necessário se pensamos em regiões como o Nordeste, se pensarmos no futuro do Brasil. Nesse sentido, como o programa se estenderia até 2030, não é um projeto do governo Lula, é de todo o país.

AS -A Amazônia seria uma região a demandar usinas atômicas?

AB - Em minha opinião, a Amazônia não vai precisar da energia atômica pelos próximos cinqüenta anos, cem anos. Possuímos outros recursos em grande volume, como água, biomassas. Outro detalhe: as turbinas de energia hidráulica convencionais vão ser aperfeiçoadas, já há a tecnologia de turbinas que funcionam com a força das correntezas de águas. No futuro, as turbinas talvez não vão precisar de grandes barragens e, por isso, gastariam menos energia motriz para gerar energia elétrica. De modo geral, no Brasil sempre a alternativa hidráulica vai ser predominante. A energia atômica, em um horizonte de médio prazo, dificilmente responderá por uma oferta de energia superior a seis por cento do total que o país demandará. Entretanto, precisamos estar alerta. Por exemplo, não sabemos como o aquecimento global vai impactar nas próximas décadas o regime dos nossos rios, mantenedores das hidroelétricas.

AS - Em outras palavras, não se pode desprezar nenhuma possibilidade quando o assunto é energia.

AB - É um equívoco se falar só em hidroelétricas grandes. Devemos pensar nas pequenas. É imperiosa a integração das linhas de transmissão do Sul com as do Norte, incluída no projeto a própria Venezuela. Quando chove no Sul, não chove no Norte. Temos a obrigação de aproveitar todas as possibilidades, até porque em um horizonte previsível já se fala na energia advinda do hidrogênio. O Brasil não pode perder tempo.

AS - Vivemos o chamado "boom" do etanol, inclusive com possíveis parcerias entre Brasil e Estados Unidos. Como um amazônida vê essa alternativa produtiva e tecnológica?

AB - Sou contra derrubar árvores para plantar cana, pasto. Não temos necessidade disso. Porém, alguns mitos precisam ser superados. Quando se fala em Amazônia, muita gente pensa que na região só existe floresta alta, intocável. Isso não é verdade. Lá no meu estado, por exemplo, há perto de quatro milhões de hectares de campo, de lavrado. Essa realidade também ocorre no Amazonas, no Acre, em Rondônia, no Pará, ou seja, existem áreas passíveis de uso na produção do etanol. Roraima está ali do lado da Venezuela, da Guiana Inglesa, a quatrocentos quilômetros do mar, perto do canal do Panamá que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. Um duto poderia escoar facilmente a produção de álcool etílico de Roraima à Guiana e ganhar mercados como o americano, sem o peso das taxas que atingem as exportações normais do Brasil. O álcool etílico pode se transformar em uma das vocações de Roraima.

AS - Ou seja, a cana não é uma cultura incompatível com a Amazônia.

AB - Exatamente. Deve-se levar em consideração que os cultivares utilizados na produção do etanol têm capacidade de seqüestrar carbono da atmosfera, no mínimo empatando o jogo. Deve-se levar em consideração que na Amazônia há muita área alterada, portanto utilizável para fins agrícolas.

AS - Mas parece que o governo quer vedar a entrada da cana na chamada Amazônia Legal.

AB - O governo não vai decidir assim, de boca. Vai ter de fazer um estudo de zoneamento. Roraima, dificilmente, ficará fora desse zoneamento. As características da região devem ser respeitadas.

AS - Como Roraima pode se colocar no contexto do esforço nacional de desenvolvimento com uma situação fundiária tão complicada?

AB - O governo tem uma enorme dívida para com o Estado de Roraima. Cerca de cinqüenta e seis por cento do território do estado é ocupado por reservas indígenas - ao todo, são trinta e seis áreas. E ao se implantar as reservas, muita gente foi retirada de suas terras, onde antes trabalhavam, plantavam, geravam riquezas. Do ponto de vista fundiário, e excluídas as reservas, a quase totalidade das terras do estado está sob controle do governo federal. Menos de dez por cento das terras estão escrituradas, embora haja gente sobre todas as terras disponíveis. Defendo que grande parte destas terras seja repassada ao estado para que ele possa executar programas novos de desenvolvimento. Um usineiro não vai investir em um projeto de etanol se não pode adquirir terras para um plantio seguro de cana. O estado tem mais condições que o Incra para gerir terras disponíveis e desenvolver projetos.

AS - Em relação às terras indígenas, o senhor concorda com a exploração dos recursos minerais ali existentes?

AB - Na Raposa Serra do Sol, o indígena é garimpeiro ou vaqueiro. Todos os outros garimpeiros foram para a Venezuela, para a Guiana. Os índios dessa reserva começam a se entusiasmar com a possibilidade da construção da hidroelétrica de Cotingo e com os royalties que ela geraria. A usina irrigaria sessenta mil hectares e atenderia o consumo atual de energia elétrica do estado. O projeto de mineração em terras indígenas imaginado pelo governo, pelo que sei, não está ainda bem resolvido. Entretanto, acredito que os índios sozinhos não terão condições de executar qualquer exploração industrial em suas áreas.

AS - Roraima conta com alguma vantagem comparativa por ser situar na fronteira com a Venezuela e Guiana?

AB - A Venezuela tem vinte milhões de habitantes, a Guiana oitocentos mil e o estado do Amazonas, dois milhões. Estamos ou estaremos cercados por pólos industriais. Acho que Roraima tem vocação para produzir alimentos para estes mercados consumidores e também para o Caribe - frutas, grãos, álcool. Porém, para esse projeto deslanchar com mais vigor, a questão da propriedade da terra precisa ser resolvida urgentemente. A Embrapa deve iniciar estudos visando o desenvolvimento de uma variedade de cana adaptada às altitudes de Roraima. Lembro que, em função de terras, sol e do regime de chuvas, a produtividade em Roraima é muito alta - foram colhidas quarenta sacas de soja por hectare em algumas regiões do estado, uma das mais altas médias do país - e as colheitas são antecipadas em até trinta dias quando comparadas com as do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

AS - O senhor apresentou vários projetos no sentido de defender o consumidor das artimanhas do setor financeiro. Novamente, um amazônida entrando em uma área mais típica do Centro-Sul.

AB - Há muitas injustiças nessa área financeira. É injusto um cidadão ficar impossibilitado de comprar porque se tornou inadimplente por causa de um cheque sem cobertura, na maioria dos casos um fato meramente episódico. No Brasil a pessoa é presa por causa de dívida com bancos, no resto do mundo esse rigor não é tão absoluto.

AS - Parece que o governo vai na contramão do senhor, pois pretende jogar no Serasa quem não pagar impostos.

AB - Quem deve imposto normalmente é rico e, mesmo sabendo-se que a carga tributária no Brasil é alta, imposto deve ser pago.

AS - O senhor apresentou projeto para viabilizar ciclovias em todo o Brasil. Que razões nortearam a atitude?

AB - Em Roraima há oitenta mil veículos, uma frota pequena para os padrões nacionais, mas o número de mortes de ciclistas no Estado é muito alto, é o dobro da média nacional. E olha que em Boa Vista temos pistas largas e respeitamos a faixa de pedestre. A ciclovia, no nosso caso, seria uma boa solução para o problema, além de facilitar às pessoas o acesso mais barato a seus postos de trabalho. Como já ocorre em várias grandes cidades do mundo, a ciclovia é parte de uma solução para os problemas do trânsito urbano. Como médico, também vejo nas ciclovias um instrumento para mudar hábitos, com ganhos inegáveis para a saúde. Uma informação: no Ministério das Cidades há quatrocentos milhões de reais disponíveis para projetos de ciclovias, mas só duzentos mil reais foram demandados.

AS - O senhor é daqueles que acreditam que há uma crise política e moral no país?

AB - Acho que realmente há uma crise e isso vemos até nas novelas. O tal do "rouba, mas faz" não pode continuar, o povo não aceita esta postura. Os políticos são como qualquer cidadão, devem cumprir a lei. Não podem usar a imunidade para se esconder da Justiça. Acho que todo parlamentar deveria abrir o seu sigilo fiscal. Qualquer pessoa que enriquecer no exercício do mandato não é honesta, tem alguma coisa errada. Políticos devem ser obrigados a prestar contas de seus atos.

AS - E qual a saída?

AB - Não existe uma única saída para superar a crise, mas em primeiro lugar passa pela educação. Uma idéia muito defendida pelo senador Cristovam Buarque [PDT-DF]. Diria: uma idéia apresentada por Brizola.

(Por Davi Emerich, Agência Senado, 06/09/2007)


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