O que teriam em comum Adriana, 19, Elisabel, 46, Anailse, 19, e Sueli, 38?. Fora o fato de todas residirem em Sergipe, as quatro deram fim às próprias vidas na semana passada, ingerindo o “chumbinho”, nome popular do agrotóxico Temik 150, largamente utilizado naquele estado como mata-ratos.
O comércio de veneno de forma fracionada é ilegal, mas, como tantas outras leis no Brasil, a proibição segue solenemente ignorada. A comoção pelos suicídios – os quatro em menos de 48 horas – levou o diário de maior circulação em Sergipe – o Jornal da Cidade – a fazer um editorial com o apelo direto: “Proíbam o chumbinho”.
“As mortes dessas quatro mulheres, em dois dias, reforçam o argumento de quem pretende banir o comércio do produto. Os ambulantes oferecem o veneno para ratos em várias ruas de Aracaju e não há nenhum tipo de repressão”, diz a publicação.
Esse é também o entendimento da campanha “Chumbinho não!”, à qual já aderiram mais de 140 entidades ambientalistas e de defesa animal de dezenove estados brasileiros, pela proibição da importação e venda do aldicarbe – princípio ativo do Temik. A campanha é promovida pelo site Sentiens Defesa Animal.
Algumas ONGs entraram com representações no Ministério Público em suas cidades. Na Câmara Federal, tramita o Projeto de Lei 7586/2006 que veda o registro de produtos que contenham o aldicarbe. O projeto, de autoria do deputado Fernando Coruja (PPS/SC), recebeu parecer favorável do relator deputado Cláudio Diaz (PSDB/RS), que apresentou substitutivo. A matéria encontra-se em fase de votação na Comissão de Agricultura.
O chumbinho não é autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa - para uso como raticida, sob nenhuma circunstância. No ano passado, a Anvisa coordenou a reavaliação toxicológica do aldicarbe, com a participação do Ibama, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa - e de representantes da única empresa fabricante do produto, a Bayer Cropsciences.
Como resultado desta reavaliação, ficou determinado que a Bayer deveria implementar medidas de segurança no sentido de evitar o desvio de seu produto. Tais medidas incluem um severo controle na distribuição e comercialização do produto, através do enxugamento do número de revendas e canais de distribuição da empresa, com treinamento e auditoria obrigatórios a todas as revendas que o comercializarem.
Esse “severo controle” nem de longe se concretizou. Na capital de Sergipe, Aracaju, por exemplo, o chumbinho é vendido à luz do dia, no centro da cidade, por camelôs que anunciam aos brados suas qualidades como raticida. O pacotinho custa R$ 1.
A Assessoria de Comunicação da Anvisa disse a AmbienteBrasil que as medidas foram iniciadas pela Bayer no segundo semestre de 2006, curto prazo para um resultado positivo, sobretudo porque uma caixa de agrotóxico rende centenas de frasquinhos. É possível que os “vendedores” ainda tenham estoques antigos e os estejam utilizando. “A Anvisa está fazendo o seu papel de fiscalizar as empresas e tomar as providências necessárias. Agora, quanto a ir direto ao contrabandista, é necessário o apoio da polícia”, escreveu a Agência, em e-mail ao portal.
A Anvisa também vem se reunindo com a Delegacia de Crimes Contra a Saúde Pública e Meio Ambiente do Rio de Janeiro, estado que possui um dos maiores índices de intoxicação por chumbinho.
Para o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, pelo fato do produto ser ilegal, ele naturalmente não possui rótulo, o que aumenta o risco e a gravidade da intoxicação. “Sem o nome do agente ativo, fica mais difícil identificar antídotos em caso de envenenamento. Essas orientações são fundamentais para o profissional de saúde. Por isso ele não pode ser utilizado no ambiente doméstico”, disse a AmbienteBrasil.
No mês de fevereiro passado, em resposta à campanha “Chumbinho não!”, a multinacional fabricante do Temik divulgou uma nota em que afirma: “a Bayer CropScience, assim como diversos outros fabricantes de defensivos agrícolas, tem sofrido pelo uso criminoso de um dos seus produtos, aprovado exclusivamente para uso agrícola no controle de pragas em culturas como café, cana-de-açúcar e citros. O produto Temik, assim como muitos outros, não é um veneno de rato, nem um produto ilegal ou mesmo comercializado livremente. É um defensivo agrícola devidamente registrado no Ministério da Agricultura”.
(Por Mônica Pinto /
AmbienteBrasil, 04/09/2007)