Caxias do Sul - A Polícia Civil concluiu ontem o inquérito que apurou as responsabilidades por crimes cometidos nas invasões de terras particulares ocorridas em janeiro e fevereiro deste ano na cidade. Foi investigada a organização e logística de três dos seis focos de ocupações irregulares, todas já reintegradas aos proprietários pela Justiça. O documento deve ser entregue hoje ao Ministério Público (MP) e relata que um único grupo de pessoas estava supostamente envolvido na organização dos três movimentos.
Entre os indiciados estão os ex-presidentes da União das Associações de Bairro (UAB) Joaldo Afonso Nery e Tânia Beatriz Menezes, a advogada Anaí Maria de Souza, um empresário do setor madeireiro e líderes de invasores. Segundo o relatório do titular do 3º Distrito Policial, delegado Marcelo Grolli, foi constatado o comércio de terrenos nas áreas invadidas com promessas de futura regularização dos lotes. Nenhum dos envolvidos foi indiciado por estelionato porque, no entendimento do delegado, os compradores sabiam que estavam assumindo terrenos adquiridos de forma criminosa.
Durante cerca de cinco meses, os policiais investigaram as invasões ocorridas nas terras das famílias Brusa e Adamatti, no bairro Santa Corona, e na área de propriedade da ANC Urbanizadora, no bairro Consolação. O inquérito contém depoimentos que mostram que o movimento invasor teve origem entre moradores do bairro Monte Carmelo. Pessoas seriam encarregadas por diferentes setores do movimento, criando uma logística para consolidar a tomada das terras.
O documento aponta pessoas responsáveis por difundir a idéia entre os moradores, por vender terrenos, pela segurança, pelo corte de vegetação e preparação dos lotes para venda, pela venda de madeira proveniente do desmatamento e por promover reuniões e recolher documentos para a criação de associações dos futuros bairros.
No MP, o inquérito será recebido pela titular da 1ª Promotoria Especializada, promotora Janaína de Carli dos Santos. Ela disse que priorizará a análise do documento para agilizar um possível oferecimento de denúncia.
- Acredito que o inquérito mostrará indícios suficientes para uma denúncia. Ainda assim, preciso analisar com cuidado e definir quem será denunciado e por quais crimes - explicou a promotora.
A partir da denúncia formal do MP, um juiz deverá analisar se recebe ou não o documento. Caso o conteúdo seja aceito, um processo penal será aberto, culminando com a condenação ou absolvição dos envolvidos na apuração.
MP analisa crimes ambientaisCoincidiu com a conclusão do inquérito policial, a cargo do 3º Distrito Policial, a chegada no Ministério Público (MP) do relatório sobre os danos ambientais ocorridos nas áreas invadidas em janeiro e fevereiro deste ano. O documento foi preparado por técnicos do MP de Porto Alegre. Seu conteúdo não foi divulgado porque ainda não houve tempo para ser analisado pela titular da 1ª Promotoria Especializada, promotora Janaína de Carli dos Santos.
Os dados contidos no relatório servirão de base para que a promotora ajuíze uma ação civil pública, buscando a reparação dos danos que, em sua maioria, referem-se ao corte de vegetação nativa. Caso haja condenação, os responsáveis pelos desmatamentos serão obrigados a reparar o dano ambiental.
- Privilegiamos o plantio das mesmas espécies na mesma área. Mas, caso isso não seja possível, podemos dar a opção do plantio em outra área pública, por exemplo. Em último caso, a pena pode ser revertida em multa a ser alocada para um órgão ambiental - explicou Janaína.
A promotora reforçou sua proposta de solicitar a reparação do dano acima de qualquer multa. Ela também não descartou que sobre para os proprietários a responsabilidade de replantar as árvores cortadas pelos invasores. Também não está descartada uma solicitação de interferência da prefeitura.
- Sabemos que o dano não ocorreu em área pública nem há indícios que demonstrem omissão da prefeitura. Mesmo assim, a reparação do dano precisa ser feita - concluiu a promotora.
Contraponto
O que diz o presidente da UAB na época das invasões, Joaldo Afonso Nery:
- Eu parto do princípio de que todo mundo é inocente até que se prove ao contrário. Temos bem clara a atuação do movimento comunitário durante as ocupações. É bem provável que, se não tivéssemos interferido, situações mais graves teriam ocorrido. Sei de pessoas dispostas a não sair das terras ocupadas a qualquer preço. Nós orientamos as famílias para, no caso caso de decisão judicial, sair das terras. Promovemos, com isso, a paz. Sempre reforçamos que as propriedades tinham dono e que poderiam reinvidicar a posse. Não me preocupo com o indiciamento, pois confio na Justiça.
(
Pioneiro, 06/09/2007)