Cerca de 1.500 pessoas participaram das quatro audiências públicas para debater o projeto da Usina Termelétrica Barcarena (UTE Barcarena), de responsabilidade da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Na última sexta-feira (31/08), a discussão ocorreu em Acará e no sábado (01/09), em Moju.
O processo de licenciamento é conduzido pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e as audiências promovidas a partir de requerimento do Ministério Público Estadual (MPE). A coordenação dos trabalhos foi do diretor de Meio Ambiente Manoel Imbiriba Júnior. O evento contou ainda com a participação de técnicos da Sema, que analisam o pedido de licenciamento.
Já foram realizadas audiências em Abaetetuba e Barcarena, municípios diretamente atingidos pelo empreendimento e as próximas ocorrerão em Marituba (21/09), Ananindeua (22/09) e Belém (28/09), localidades indiretamente afetadas, conforme os estudos ambientais apresentados.
As preocupações imediatas colocadas pelos participantes dizem respeito ao volume de resíduos e gases produzidos e lançados no meio ambiente, a expectativa dos empregos a serem gerados, a risco do remanejamento das famílias localizadas na área do projeto, benefícios e prejuízos para as comunidades afetadas, além de impactos socioambientais especialmente nas contas públicas do Estado e dos municípios da região.
Os comunitários posicionaram-se a favor do desenvolvimento, mas querem compreender com clareza os benefícios e conhecer os impactos que o projeto promete gerar, e, sobretudo, as medidas propostas para minimizar esses impactos e compensá-los pelo uso dos recursos naturais e os problemas sociais decorrentes.
A audiência pública é parte do processo de licenciamento ambiental do empreendimento. Após cada uma delas a comunidade que recebeu o evento tem 10 dias para protocolar na Sema sugestões, críticas e outras manifestações, que serão utilizadas para subsidiar a decisão do órgão licenciador.
O projeto UTE Barcarena encontra-se em fase de Licença Prévia junto à Sema, que, se concedida, vai permitir o início da obra. Outras licenças deverão ser analisadas posteriormente, como a Licença de Instalação e Licença de Operação.
Cronograma das próximas audiências21/09 – Marituba – Salão Paroquial da Igreja Menino Deus – Rua Cládio Barbosa Silva, 170
22/09 – Ananindeua – BR- 316, km 6, Águas Lindas
28/09 – Belém – Associação Pan-Amazônica Nipo-Brasileira – Travessa 14 de Abril, 1.128, São Brás
Expansão
A geração de energia própria é condição indispensável para que a Companhia Vale do Rio Doce leve adiante seus projetos de expansão e novos negócios uma vez que não há oferta energética prevista a partir de 2010, segundo a empresa. Este cenário, justifica a Vale, levou à necessidade de implantação da UTE Barcarena.
De acordo com os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) apresentados pelo empreendedor, a térmica vai utilizar carvão mineral pulverizado como insumo para a geração de energia. Vai gerar 3.500 empregos no pico da obra e 120 na fase de operação. Se licenciada, o prazo de implantação será de 30 meses. O arranjo geral prevê a utilização de uma área de aproximadamente 120 hectares distribuída em área de porto; correia transportadora; pátio de cinza e gesso, dentre outros.
O projeto da UTE Barcarena prevê capacidade instalada para gerar 600 megawatts de energia/ano, dos quais, 300 MW serão utilizados pela CVRD e os 300 MW restantes disponibilizados no Sistema Interligado da Região Norte.
Um balanço sobre o setor energético apresentado pela Vale nas audiências públicas de Acará e Moju informa que se o Brasil crescer 4% ao ano, vai precisar de mais 2 mil de MW/ano; 5% ao ano, necessitará de 3 mil de MW/ano. Esse cenário de crescimento econômico aponta para um racionamento a partir de 2010, já que os projetos de geração em implantação são insuficientes para atender as novas demandas, segundo a empresa. Ou seja, os projetos estruturantes estariam atrasados e as empresas estão buscando alternativas de geração própria para reduzir os riscos de um provável apagão.
A expectativa na nova geração gira em torno dos empreendimentos do Complexo do Madeira, com a construção das usinas Jirau e Santo Antonio, em Rondônia e Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. Nenhuma delas será concluída até 2010.
A Vale do Rio Doce participa de alguns desses aproveitamentos hidrelétricos, como a AHE Estreito (com participação de 30%), Santa Izabel (43,85%) ainda em fase de licença e a UTE Baracarena, se licenciada, e estuda participar do empreendimento Belo Monte.
Em 2006 a empresa consumiu cerca de 2 mil MW para atender todos seus negócios, sendo 1.085 MW somente no Pará, que corresponde a 4% da energia gerada no Brasil e 2,3% no Pará.
Até 2015 a empresa planeja expandir suas unidades ou iniciar novos negócios, mas para isso são necessários mais 700 MW de energia, totalizando um consumo estimado de 1.800 MW/ano. Dentre esses projetos constam Carajás, Pará Pigmentos, Hidromineral, Vermelho, Salobo, 118, Onça Puma, Serra Sul e ABN Refinaria, somente no Pará.
Atualmente a Vale compra toda energia disponível da Eletronorte, no entanto, diz que não há oferta para atender novos negócios. A empresa assegura que na análise da matriz energética nacional, a UTE foi a que apresentou maior viabilidade.
A Vale afirma que o empreendimento utilizará tecnologia comprovada e segura, com a utilização de dois equipamentos de alta eficiência no controle ambiental que é o dessulfurizador, que vai ajudar a reduzir a emissão de gases na atmosfera, sobretudo o óxido de enxofre e óxido de nitrogênio, e o carvão mineral advindo da Colômbia, que possui baixo teor de enxofre.
Dados apontados pela empresa mostram que o Brasil emite 1,3 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera a cada ano. A UTE Barcarena emitirá 2,2 milhões de toneladas que corresponde a 0,16% das emissões totais. O lançamento de gases na atmosfera é uma das principais preocupações dos participantes, bem como o pátio de cinzas e gesso. Os resíduos estão previstos para serem estocados em uma área de 40 hectares (para 5 anos de operação) sobre uma manta de polietileno. Para evitar que o resíduo se espalhe, o projeto prevê a aspersão de água e compactação das pilhas. A empresa assegura que a cinza é inerte, ou seja, não-tóxico e pode ser manuseada sem risco.
A UTE está localizada em um ponto estratégico para a Vale: próxima à disponibilidade da água, no caso, o rio Pará; do porto de Barcarena e do Sistema Interligado da Região Norte. É no Pará que estão projetados os grandes empreendimentos da empresa, seja pela expansão ou implantação de novos negócios, dentre eles uma nova planta de alumina em Barcarena, se utilizando da bauxita explorada em Paragominas.
A empresa, após questionamentos do Ministério Público, informou que a vazão do rio na estiagem é de 3 mil metros cúbicos por segundo, que significa 3 mil litros de água, enquanto a UTE vai se utilizar de 0,5 m3/segundo ou 500 litros por segundo ou algo em torno de 17 milhões de m3 por ano. Depois de tratada esta água seria devolvida ao rio na condição de efluente.
A empresa prevê a capacitação de mão-de-obra local para empregar pessoas da região. Consta ainda programas de saúde ocupacional e a construção de um ambulatório na planta da UTE, além de promover um acompanhamento de infra-estrutura de saúde para verificar impactos e se, necessário, fazer intervenção direta, o que seria uma obrigação.
MPE
O Ministério Público Estadual (MPE) manifestou-se pela devolução ao empreendedor dos estudos de viabilidade da UTE Barcarena por entender que os dados apresentados são insuficientes para uma análise da viabilidade ambiental do projeto.
A proposta é que a empresa refaça os estudos, “faça o dever de casa, que não fez”, sobretudo em relação ao tratamento dado ao enorme volume de cinzas e gesso gerados (cerca de 13 toneladas por hora); sobre os efeitos da emissão de gases na atmosfera e ao pagamento de compensações pelos impactos ambientais causados. “É um desafio para a Vale e para a sociedade encontrar uma solução que possibilite o uso de recursos naturais de forma sustentável e que não seja apenas mais uma fonte de poluição e de transferência de custos para a sociedade”, enfatizou o promotor de Justiça Raimundo Moraes.
O Ministério Público Estadual tem questionado nas audiências públicas da UTE Barcarena não só aquilo que caracteriza como omissões nos estudos de viabilidade, como também a necessidade de ampliar a participação da sociedade, que no entendimento dos promotores, deve ocorrer ainda na fase do Termo de Referência, momento em que o órgão licenciador estabelece as condições dos estudos.
Os promotores Raimundo Moraes e Eliane Moreira afirmam omissão ou ausência de discussão das fontes alternativas de geração, como eólica, solar, biomassa, diesel e gás, que a empresa teria obrigação de apresentar para a tomada da melhor decisão. Consideram que os estudos deveriam apresentar, a partir daí, a melhor opção tecnológica: “Caso a melhor opção de fonte fosse o carvão, ainda haveria a necessidade de apresentar a melhor tecnologia para a geração de energia na queima do carvão, o que foi apresentado é uma forma convencional e muito poluente, tanto em termos de emissão gasosa quanto na produção de rejeitos sólidos”, destacam os promotres.
Na análise do MPE os impactos ambientais e a demanda por políticas públicas de saúde, segurança, educação e saneamento, por exemplo, foram minimizados ou simplesmente omitidos, por isso sugeriu à Sema que envolva outros órgãos governamentais dessas áreas, na análise do licenciamento, para que eles apresentem os custos e assim se evite impactos nas finanças públicas no futuro.
O MPE observou ainda que os estudos não indicam como será o remanejamento das famílias que habitam na área do empreendimento, algumas já removidas pela empresa em outra ocasião, e considera insuficiente o termo de negociação proposto por falta de detalhamento das medidas. O MPE quer saber quantas serão deslocadas e que tratamento receberão, e as que ficarem, que qualidade de vida terão. Também observa que foi minimizada a perda da biodiversidade além da ausência da relação entre os impactos que serão acumulados.
Para o MPE o empreendedor precisa apresentar uma destinação melhor das cinzas e do gesso, para que esse ônus não seja transferido para a sociedade no presente e no futuro. Essa matéria-prima pode ser reutilizada na construção civil, por exemplo, mas esse aproveitamento não consta do EIA. Um levantamento feito pelo MPE mostra que em um dia serão geradas 311,35 toneladas de cinzas e 20 milhões em 10 anos. Raimundo Moraes observou que, “segundo informado pela Fiepa, durante a primeira audiência em Abaetetuba, na China existe usina à carvão sem pátio de cinzas”.
“Estamos tentando chamar a atenção para alguns dos principais pontos críticos do projeto”, enfatizou Moraes. Ele aponta que o projeto não traz previsão de recursos para compensação ecológica em unidade de conservação, como requer o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e tão pouco prevê como lidar com a geração de desemprego e o excesso de contingente que vai pressionar as contas públicas.
Com base no princípio do poluidor-pagador, Moraes defende que haja uma compensação pela água a ser utilizada como insumo, pois trata-se de uma riqueza natural que pertence a todos. Também considera que a tecnologia apresentada pela empresa para o controle da emissão de gases, que podem gerar chuva ácida e aumentar o efeito estufa, não é a melhor e que existem outras mais eficientes.
Para o MPE faltou comprovar a melhor alternativa para uso do carvão já que se trata de fonte de energia abundante, inclusive no Brasil. Outra omissão encontrada pelo MPE foi a falta de previsão de encerramento da usina.
“Queremos a produção de energia, sim, mas sem pátio de cinzas, sem emissões de gases causadores de doenças e de danos na atmosfera, e, principalmente, sem transferência de custos para a sociedade paraense, já bastante onerada por outros empreendimentos que retiram seus lucros também dessa transferência”, concluiu Moraes.
(
Agência Pará, 04/09/2007)