Uma técnica ecologicamente correta. É assim que pode ser definido o processo para tingir o couro de matrinxã a partir de corantes naturais, os quais são extraídos de plantas amazônicas: cacauí e crajiru . O processo não faz uso produtos químicos, não causam mal à saúde e ao meio ambiente, além de poderem ser reproduzidos por comunidades ribeirinhas.
A pesquisa é o resultado do trabalho de mestrado “Extração e Uso de Corantes Vegetais da Amazônia no Tingimento do Couro de Matrinxã” realizado por Karina Suzana Gomes de Melo. O projeto foi orientado pela cientista da Coordenação de Pesquisas em Tecnologia de Alimentos (CPTA), Jerusa de Souza Andrade e co-orientação Dr. Rogério Souza de Jesus do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
O projeto levou dois anos e foi financiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Durante as pesquisas, Melo buscou combinar tecnologias com a disponibilidade de matérias-primas para o desenvolvimento de processos simples e de fácil execução. A idéia era gerar produtos com potencial de mercado, por isso, o uso do couro de peixe, tingido com plantas da região. “Essa junção serve de base para políticas públicas de desenvolvimento sustentável da Amazônia”, ressalta.
Para se chegar até as duas plantas: cacauí e crajiru, Melo explica que foram realizados diversos testes com cascas, flores, sementes e folha, de forma aleatória, sem critério de produção ou disponibilidade. Os critérios adotados para poder passar nos testes foram: proporção dos pigmentos e solubilidade em água.
De acordo com a pesquisadora, foram coletas 15 amostras e as mesmas passaram por análises laboratoriais para se determinar o grupo cromógeno (antocianinas, flavonóides, carotenóides, pigmentos solúveis em água), ou seja, verificar os pigmentos presentes e quantificá-los. O procedimento foi adotado para se saber qual a quantidade necessária para se tingir o couro do peixe (dar pigmento).
“Por ser uma técnica pioneira, não havia informações científicas e técnicas. Na literatura não consta nenhum outro trabalho que tenha utilizado corante natural e que a matéria-prima não fosse comestível”, afirma. Segundo Melo, a mangarataia e o jenipapo também podem ser utilizados no tingimento, contudo o objetivo era utilizar produtos não comestíveis.
A pesquisa
No início das análises a escolha das fontes de pigmentos para o teste de
tingimento teve por base a quantidade de antocianinas (cacauí) e de
pigmentos solúveis em água (crajiru). Por serem amostras purificadas e
conhecidas, os corantes artificiais utilizados no tingimento de couro, têm
uma base da quantidade que pode ser utilizada, a qual varia em função da intensidade da cor desejada. Já os corantes naturais selecionados para a pesquisa, não foram purificados e por não saber a quantidade de corante naturais utilizada no tingimento do couro de peixe foram feitos vários testes para saber qual a porcentagem (5, 10 e 15) do corante em relação ao peso do couro ideal para o tingimento. Com este experimento foi possível avaliar as diferenças na tonalidade, uniformidade de cobertura e resistência aos fatores degradantes da cor. Os melhores resultados foram obtidos com as maiores proporções das amostras de crajiru e cacauí desidratadas.
O processo envolveu a dissolução dos corantes em água morna (40ºC). O material ficava em repouso durante 24 horas. Após esse período, era colocado o ácido e deixava o material por mais 2 horas para fixar o pigmento. O processo foi repetido nas três concentrações: 5, 10 e 15%. Os melhores resultados foram obtidos nas concentrações de 10 e 15% .
Após o tingimento foram feitos outros testes, por exemplo, o de lavabilidade e o de resistência à luz (fluorescente e a luz solar). Nos testes com a luz fluorescente não houve perda da coloração. O mesmo não aconteceu com a luz solar.
Durante sete dias, das 8h às 16h, os couros tingidos com crajiru e cacauí ficaram expostos à luz sol. Melo explica que, visivelmente, ambos perderam coloração, mas não do ponto de vista estatístico. Ou seja, em análises no aparelho denominado “colorímetro digital”, foi verificado que os pigmentos perdidos pelos couros estavam dentro de um quadrante aceitável de tonalidade.
“O couro tingido com crajiru e cacauí quando receberam a aplicação da laca à base d’água” houve variação de tonalidade, o couro tingido com crajiru ficou mais escuro, enquanto o com cacauí mais claro”, afirma Melo e acrescenta que para aumentar a durabilidade, dar brilho e resistência ao material a “laca” (verniz obtido sinteticamente) é fundamental.
“O corante de crajiru apresentou maior resistência à ação da luz e da água, apresentando coloração variando do vermelho-púrpura ao vinho, enquanto o de cacauí foi do lilás claro ao escuro. O que obteve o melhor resultado na coloração foi o de crajiru”, destaca.
(Envolverde/Inpa, 04/09/2007)