Rio de Janeiro – Dez anos depois da questionada privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), principal empresa de mineração do Brasil, cerca de 200 organizações tentam anular essa operação através de um plebiscito consultivo e novas demandas judiciais. O plebiscito, que acontecerá em todo o País entre 1º e 9 de setembro, foi convocado por diversas organizações da sociedade civil, entre elas movimentos sociais, sindicais, estudantis, da Igreja Católica e de juristas. Segundo João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a consulta tem o objetivo de ser um "exercício educativo de soberania popular" para que a população tome conhecimento de uma licitação que considera "um roubo da soberania".
Criada em 1942 durante o governo de Getúlio Vargas, a CVRD é das maiores empresas de mineração do mundo e a principal produtora e exportadora mundial de minério de ferro, componente básico para a fabricação do aço. Além disso, também produz bauxita, ouro e alumínio, e conta com investimentos em transporte marítimo e ferroviário, entre outros setores. Stédile disse na Associação de Correspondentes Estrangeiros do Rio de Janeiro (ACIE) que a campanha "A Vale é Nossa" exige a anulação do processo de privatização da empresa. A campanha também procura esclarecer a população sobre como ocorreu a privatização, a qual considera "uma operação controversa com financiamento subsidiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)".
Os organizadores da consulta prevêem cerca de 10 milhões de votos favoráveis à pergunta central "Você concorda que a Companhia Vale do Rio Doce, arrematada de forma fraudulenta e que o Poder Judiciário pode recuperar para o governo, continue nas mãos do capital privado?". A idéia do plebiscito, cujo resultado será apresentado dia 25 próximo a representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ganhou força a partir da decisão de um tribunal de Brasília, em dezembro de 2005. A sentença, correspondente a apenas um dos 88 processos judiciais em andamento contra a privatização, confirma em segunda instância que houve fraude no leilão e, assim, estabelece sua nulidade.
A sentença não é definitiva e Stédile admitiu que vem pela frente "uma luta prolongada nos tribunais, que durará anos". Porém, antecipou que uma "forte mobilização de massas" como a esperada no plebiscito será um "elemento de pedagogia das massas" e contribuirá para "exercer a pressão popular’. Stédile, que qualificou a venda da Vale como "um roubo" do governo de Fernando Henrique Cardoso, se referiu às variáveis fraudulentas desse processo. Nesse sentido, mencionou que na época da privatização a empresa tinha patrimônio avaliado por seu comitê financeiro em cerca de US$ 40 bilhões e que, entretanto, a venda das ações do governo para o capital privado ficou em US$ 3,3 bilhões.
A IPS tentou uma resposta da CVRD sobre o plebiscito, mas a empresa, através de seu gerente de relações com a imprensa, Fernando Thompsom, disse que "não haverá comentários". Resposta semelhante foi dada à IPS pela assessoria de imprensa do BNDES. Além da subestimação do preço de venda, juristas como Favio Comparato, citado pelas organizações que convocaram o plebiscito, questionam outras irregularidades na privatização, como o vínculo entre os que avaliaram a empresa e os que a compraram.
"A firma que avaliou a Vale para o BNDES foi a mesma que assessorou o banco Bradesco (um dos atuais acionistas), isto é, assessorou tanto o vendedor quanto o comprador", disse Stédile. O líder do MST também afirmou que "outra ilegalidade" é a inclusão na privatização da venda de "patrimônio público", como 700 mil hectares de terra que "hoje aparecem como propriedade da CVRD", bem como 70% de todos os minerais do subsolo brasileiro que a companhia controla".
(Por Fabiana Frayssinet, IPS /
Envolverde, 03/09/2007)