O Brasil é o quarto país do mundo que mais emite gás carbônico na atmosfera. Isso ocorre principalmente em conseqüência da destruição da floresta amazônica, que representa 80% das emissões de carbono no país. A expansão de monocultivos para a produção de agroenergia tende a aprofundar este problema, colocando uma pressão cada vez maior na fronteira agrícola da Amazônia e do cerrado.
A expansão da produção de agrocombustíveis no Brasil tem como objetivo central atender a demanda de outros países. Neste contexto, o papel dos países periféricos é fornecer energia barata para países ricos, o que representa uma nova fase da colonização. As atuais políticas para o setor são sustentadas nos mesmos elementos que marcaram a colonização: apropriação de território, de bens naturais e de trabalho, o que representa maior concentração de terra, água, renda e poder.
Uma mudança nos padrões de consumo, principalmente nos países do hemisfério norte, é imprescindível, pois nenhuma fonte alternativa de energia seria capaz de suprir a atual demanda. No entanto, a opção pela redução do consumo é praticamente excluída do debate oficial quando se trata de discutir meios de diminuir a poluição atmosférica. O primeiro passo nesse sentido deveria ser o investimento massivo em transporte público, além de políticas de racionalização, contenção de desperdício e economia de energia, e da implementação de uma diversidade de fontes alternativas e verdadeiramente renováveis.
O conceito de energia "limpa" e "renovável" deve ser discutido a partir de uma visão mais ampla que considere os efeitos negativos destas fontes. No caso do etanol produzido a partir da cana-de-açúcar, seu cultivo e processamento poluem o solo e as fontes de água potável, pois utilizam grande quantidade de produtos químicos. Cada litro de etanol produzido consome cerca de 12 litros de água.
No caso da produção de diesel a partir da soja, as estimativas mais otimistas indicam que o saldo de energia renovável produzido para cada unidade de energia fóssil gasto no cultivo é de 0,4 unidades. Isso se deve ao alto consumo de petróleo utilizado em fertilizantes e em máquinas agrícolas. Além disso, a expansão da soja tem causado enorme devastação ambiental. Mesmo assim, a soja tem sido apresentada pelo governo como principal cultivo para diesel vegetal.
Em muitas regiões do país, o aumento da produção de etanol tem causado a expulsão de camponeses de suas terras e gerado dependência da chamada "economia da cana", onde existem somente empregos precários nos canaviais. O monopólio da terra pelos usineiros impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes.
Apesar da propaganda de "eficiência", a indústria de agroenergia está baseada na exploração de mão-de-obra barata e até mesmo escrava. Os trabalhadores são remunerados por quantidade de cana cortada e não por horas trabalhadas. No estado de São Paulo, maior produtor do país, a meta de cada trabalhador é cortar entre 10 e 15 toneladas de cana por dia.
Esse padrão de exploração tem causado sérios problemas de saúde e até a morte dos trabalhadores. Estudos do Ministério do Trabalho estimam que 1.383 canavieiros morreram no estado de São Paulo entre 2002 e 2006. As causas destas mortes são assassinatos, acidentes no precário transporte para as usinas, em conseqüência de doenças como parada cardíaca, câncer, além de casos de trabalhadores carbonizados durante as queimadas.
Atualmente, a produção extensiva de agrocombustíveis coloca em risco a própria soberania nacional, na medida em que grandes empresas estrangeiras têm adquirido usinas e terras no Brasil, entre elas Bunge, Noble Group, ADM e Dreyfus, além de mega-empresários como George Soros e Bill Gates.
Organizações sociais em todo o país ampliam as denúncias sobre os efeitos destrutivos do modelo agrícola baseado no monocultivo. A superação deste modelo passa pela realização de uma reforma agrária ampla, que elimine o latifúndio. É preciso garantir políticas de subsídios para a produção de alimentos provenientes da agricultura camponesa. Não podemos manter os tanques cheios às custas de barrigas vazias.
(Por Maria Luisa Mendonça e Marluce Melo*, Adital, 28/08/2007)
* Maria Luisa Mendonça é coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e do Grito dos Excluídos Continental; Marluce Melo é coordenadora da Comissão Pastoral da Terra - Nordeste