Moradores acusam empresa Soeicom de empestear o ar com resíduos de sua produção em níveis insuportáveis e pedem providências ao MP e à FeamUma névoa fina tem insistido em compor a paisagem do município de Vespasiano. O visual, entretanto, nada tem a ver com algum fenômeno climático natural, mas decorre de partículas de poeira suspensas, oriundas do processo de produção de cimento na fábrica Soeicom. Instalada bem no centro da cidade, a 28 km de Belo Horizonte, a indústria é acusada pelos moradores de lançar resíduos na atmosfera em índices insuportáveis, inclusive durante as madrugadas e aos finais de semana. Há quem relate ter adquirido problemas de saúde e afirma que a empresa, embora uma das três maiores da cidade, esteja inibindo o desenvolvimento do comércio e o setor imobiliário por causa da sujeira.
A reportagem de O TEMPO esteve em Vespasiano e encontrou ruas cobertas por uma poeira acizentada, que se acumula no asfalto, rente às calçadas. A sujeira toma conta principalmente do centro comercial, onde o vai-e-vem de caminhões da Soeicom é freqüente na principal avenida da cidade, a Prefeito Sebastião Fernandes. Na Fot Lanches, o trabalho de limpeza de vitrines, mesas, cadeiras, computador e freezer é diário. "Os móveis ficam muito sujos. Todo dia temos que lavar a calçada. Não há como evitar o desperdício de água", diz a funcionária Joselice Rodrigues da Cruz. Nos demais bairros, a situação também é crítica. Morador do Jardim Itaú, o advogado Jarbas Antunes enfrenta uma rotina em que a casa e o carro ficam constantemente empoeirados. Entretanto, a preocupação maior é com os filhos pequenos, pois ele não sabe ao certo quais as conseqüências à saúde com a exposição constante às partículas de poeira. Para piorar a qualidade do ar, afirma, a Soeicom teria passado a utilizar resíduos industriais de outras empresas (restos de pneus, plásticos, óleos, tintas etc) como combustível para seu forno.
"As pessoas sentem um cheiro forte, mas sabemos que é por causa da queima desses produtos." A formação do núcleo urbano do município de Vespasiano teve início por volta do final do século XIX, quando a cidade de Belo Horizonte foi inaugurada. Mais de 70 anos depois a Soeicom se instalou no local, às margens do Ribeirão da Mata. "A Soeicom não pode alegar que chegou aqui antes da cidade. Não queremos que ela saia daqui, mas que assuma suas responsabilidades e mantenha uma atividade que respeite os moradores", afirma o advogado Antunes. "Moro aqui há 70 anos e agora estou tendo bronquite por causa do pó. A Soeicom está acabando com a cidade e com o povo", reclama o autônomo Wilson Batista. Antunes entrou com uma representação no Ministério Público há cerca de um mês, denunciando a empresa. Acionou também a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). "A cidade está em um vale e quase não tem vento. A poeira é jogada da chaminé para cima. Depois, ela desce e se espalha. Esse processo é feito várias vezes ao dia, inclusive de madrugada", diz o advogado.
Feam realizou três vistorias neste anoA Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) informou ter realizado pelo menos três vistorias na Soeicom neste ano. Em todas elas, segundo a assessoria de imprensa da entidade, não foram encontradas irregularidades com relação às emissões de poluentes. Uma dessas incursões foi feita no final do mês de julho, quando várias denúncias à Feam foram motivadas pelo excesso de pó de cimento no ar de Vespasiano. Na ocasião, um problema operacional no filtro da cimenteira forçou a empresa a desligá- lo em quantidades acima do habitual, mas ainda dentro dos parâmetros ambientais permitidos.
Os limites foram estabelecidos no final da década de 80 pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e valem para todas as cimenteiras do Estado. Por questões técnicas, a legislação permite que os fornos sejam desligados de maneira intercalada durante o dia, em até 15 minutos por período. O motivo é a possibilidade de explosões nos fornos, ambiente propício à mistura de gases e ao superaquecimento. O tempo total de inoperância – quando a poeira do processo industrial é despejada sem nenhum tratamento no ar – não pode ultrapassar os 300 minutos mensais. De acordo com a Feam, mesmo com o problema apresentado no final de julho, a Soeicom não extrapolou os limites.
O Ministério Público acolheu as denúncias feitas pelos moradores, mas se vê de mãos amarradas. Em inquérito semelhante e arquivado em 2005, as investigações não encontraram irregularidades nas operações da Soeicom. Mesmo assim, o promotor Marcus Valério Cohen prometeu reinstaurar o procedimento investigativo e checar o cumprimento da legislação. “Vamos mandar peritos para verificar o maquinário da empresa. Caso seja constatada alguma irregularidade, a investigação pode tomar um rumo diferente”, afirmou. Na tentativa de tornar a legislação mais rígida, o presidente da Feam, José Cláudio Junqueira, tentará sensibilizar os membros do Copam para rever os limites de emissões de partículas pelas cimenteiras de Minas Gerais. Ele informou que irá enviar relatórios com os problemas apresentados em julho no forno da Soeicom para os membros do conselho. A aprovação depende da anuência da classe empresarial. (IG)
Audiência pública vai debater problemaA Câmara dos Vereadores de Vespasiano realiza no próximo sábado uma audiência pública para tratar dos problemas de poluição do ar decorrentes das atividades da Soeicom. Segundo Marta Mansur (PR), autora do requerimento, é preciso que a empresa esclareça para a população os procedimentos tomados sobre a destinação dos resíduos químicos no meio ambiente. “Esse é um problema que há vários anos vem prejudicando a população de Vespasiano. Precisamos unir os esforços para achar uma solução sensata”, disse a vereadora. (IG)
Soeicom diz ter programa de limpezaEm nota oficial, a empresa Soeicom alegou ter adotado programas de limpeza da poeira das ruas da cidade de Vespasiano, com uso de maquinário próprio e varredores. Alegou também que a percepção da poeira aumenta neste período do ano, pois é comum a ocorrência de inversões térmicas, prejudiciais à dissipação do material particulado. Ainda conforme a empresa Soeicom, a poeira emitida no munícipio se encontra dentro dos padrões. Na última sexta-feira, o secretário do prefeito Ademar José (PSDB), Antenor Soares Pinheiro, informou que ele não poderia se pronunciar, pois se encontrava em uma reunião em Belo Horizonte. Agenda cheia O secretário municipal de Meio Ambiente de Vespasiano, Samuel Élson, alegou agenda cheia e também não falou com a reportagem de O TEMPO sobre o problema que aflige os moradores de Vespasiano. Também na última sexta-feira, recados foram deixados com a secretária do procurador do município, Paulo Passos, mas ele não deu retorno para a reportagem. (IG)
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O Tempo, 03/09/2007)