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BNDES sustentabilidade e capitalismo
2007-08-30
O fato, insólito, aconteceu em 8 de agosto em Brasília: Luciano Coutinho, emérito professor de economia e recém nomeado presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ouviu críticas profundas e debateu por duas horas a atuação do Banco que chefia. Até aí, nada de mais. Afinal, o BNDES frequentemente dialoga com representantes do governo e de grandes empresas. A diferença estava no tipo dos interlocutores de Coutinho e na disposição do presidente do Banco de ouvi-los.

Pela primeira vez, um presidente do BNDES aceitou discutir pública e amplamente com ONGs, entidades sociais e sindicais, do Brasil e de outros países sul-americanos, os critérios dos desembolsos do Banco, que é o maior financiador do desenvolvimento brasileiro desde a segunda metade do século 20 e foi alçado por Lula à condição de instrumento de política externa.

Coutinho deu uma demonstração de grande simbolismo. Saiu de seu gabinete, no Centro do Rio de Janeiro, e viajou a Brasília para participar de um evento patrocinado pelas organizações sociais. Com seu ato, evidenciou a disposição pessoal de dialogar com setores da sociedade que, apesar de serem diretamente impactados pelos projetos viabilizados pelo Banco, até hoje não haviam feito um debate tão profundo, sistemático e de alto nível acerca das orientações estratégicas do BNDES.

O que também chama a atenção é o fato de que aquela foi a segunda vez, em 30 dias, que Coutinho se reunia com as organizações – entre elas, o Ibase (ong fundada pelo sociólogo Herbert de Souza), a CUT, o MST e a Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais. No dia 9 de julho, ele recebeu desse grupo um aprofundado documento chamado Plataforma BNDES.

O texto avalia a atuação do BNDES e propõe medidas para reorientar o Banco quanto à transparência de informações; participação e controle social; desenvolvimento de critérios e parâmetros regionais, sócio-ambientais, climáticos, de gênero e raça/etnia, de trabalho e renda; além de políticas setoriais para infra-estrutura social, descentralização do crédito, desenvolvimento rural sustentável e agroecológico, energia e clima e integração regional sul-americana.

Ou seja: grupos sociais representativos solicitaram – e conseguiram da parte de Coutinho a adesão verbal às suas propostas – mudanças estruturais no mais importante vetor do desenvolvimento brasileiro, aquele que tem o poder de modelar, de limitar ou de viabilizar o crescimento econômico do País. A ver o desenvolvimento desse processo.

Nova orientação
Coutinho assumiu há poucos meses com uma missão definida pelo presidente Lula: fazer do BNDES um dos principais financiadores do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos dos desenvolvimentistas do Palácio do Planalto. O PAC prevê o desembolso de várias dezenas de bilhões de dólares em projetos e programas que ratificam a inserção do Brasil na economia mundial como exportador de bens de baixo valor agregado localmente – além de também atender algumas necessidades prementes, como grandes investimentos na área de saneamento.

No debate com as organizações sociais, Coutinho não se furtou a tratar de temas espinhosos. Reconheceu que o BNDES não dá a publicidade devida às suas ações – o que é particularmente grave porque o Banco é operador de boa parte dos recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT – e comprometeu-se a mudar esse cenário. Só aí, Luciano já avançou enormemente , em relação aos seus antecessores. Mas, ele ainda fez mais.

Também reconheceu que é extremamente problemática a atuação do BNDES na área de papel e celulose e disse que reveria os critérios para liberação de novos empréstimos. Solicitou que as organizações sociais ali presentes encaminhassem ao Banco denúncias de conflitos sociais motivados pela implantação de projetos apoiados pelo BNDES. Dirigiu-se especificamente a ambientalistas, pequenos agricultores e pessoas que se reivindicam remanescentes de quilombos.

Eles apontaram graves disputas pela propriedade de grandes áreas no Espírito Santo. É o caso dos 9,5 mil hectares reivindicados pela Aracruz Celulose, conhecida receptora de grandes empréstimos concedidos pelo BNDES, e pelos remanescentes de quilombos. Sem os recursos e participação acionária do Banco nas principais empresas da área, o setor não teria alcançado a enorme escala que tem hoje.

Zoneamento da cana
O simbolismo da ida de Coutinho foi ainda maior porque ele também admitiu que o Estado brasileiro precisa regular a ocupação do território para fins de produção da cana e do etanol- a mais nova panacéia brasileira que, segundo o governo e o mercado, resolverá qualquer tipo de problema nacional, da fome à dor de barriga.

As manifestação de Coutinho, gestor dos bilhões de reais que podem viabilizar o projeto Lulista de liderar o mercado mundial de etanol, foi ainda mais importante do que a declaração do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, emitida há poucas semanas. Stephanes disse que o governo pretende fazer o zoneamento econômico-ecológico de todo o território brasileiro, para evitar, entre outras alternativas degradadoras, que se plante cana em larga escala na amazônia. Estava, em verdade, dando uma resposta aos concorrentes brasileiros, que já começam a espalhar mundo afora que a cana degrada a floresta amazônica (e eles têm razão, em parte), como mais uma batalha de guerra comercial internacional.

Ainda há muito chão a percorrer, até que Coutinho mostre evidências de que conseguirá colocar em prática a declaração de intenções que emitiu. Mas, seja lá o rumo que as negociações tomarão, uma coisa é certa – e esse é um dado importante. Já é uma vitória parcial a colocação em debate público da necessidade de pensar estratégias de longo curso para construir uma nação voltada para a maioria do seu próprio seu povo, após os anos de prevalência da ideologia do não-desenvolvimento neoliberal.

(Por Carlos Tautz, Blog do Noblat, 26/08/2007)

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