A temporada 2007 de pesca esportiva de tucunaré, principal atrativo de vários pacotes turísticos internacionais, pode trazer também um novo conflito entre índios Mura da Terra Indígena Cunhã Sapucaia, no município de Borba (a 150 quilômetros de Manaus), e empresários que exploram a atividade. O conflito já foi anunciado no dia 10 deste mês, quando uma lancha da empresa Liga de Eco Pousadas LTDA foi apreendida por fiscais indígenas do Projeto de Fiscalização e Vigilância da terra Indígena Cunhã Sapucaia.
"Nós estamos querendo alguém para impedir isso aqui. Se ninguém impedir, esse ano vai dar um grande conflito lá dentro. Se eles (empresários) entrarem, eles (os fiscais Mura) vão fazer apreensão da lancha ou algo mais diferente, que ninguém sabe. Eu não vou estar lá. E pode se criar um grande conflito entre os próprios indígenas, porque tem esse grupo aqui, que é contra qualquer tipo de invasor, mas tem outro grupo, de pessoas corrompidas, que defendem eles", apelou o presidente da Organização Indígena Mura de Novo Airão e Borba (OIMNB), o Mura Zenilton de Souza Ferreira, 31.
O administrador regional da Funai em Manaus, Edgar Rodrigues, explicou que o turismo em área indígena não tem regulamentação, o que torna a atividade ilegal, e que, uma vez regulamentada, ela deve gerar renda para os indígenas, e não lucro para empresários. "Falta regulamentação para que as próprias comunidades indígenas possam ter essa alternativa econômica. Os lucros devem ser revertidos para as comunidades, mas está acontecendo o contrário lá. Os empresários oferecem valores irrisórios às comunidades", disse.
Segundo Edgar, a empresa é alvo de um inquérito na Polícia Federal e já foi denunciada ao Ministério Público Federal (MPF). "Todo ano, este mês, eles atacam. Eles fazem cooptação de lideranças e fomentam conflitos étnicos na região. Eles estão tentando fazer um plano para realizar operações este mês", denunciou.
De acordo com o consultor ambiental da Liga de Eco Pousadas, o geógrafo Gilberto Marcelino, a empresa, em quatro anos de operação, repassou às aldeias da TI Cunhã Sapucaia e Tenharim Marmelos (em Manicoré e Humaitá) R$ 350 mil, o que corresponderia a 50% do resultado líquido obtido no período, cuja data não foi especificada. A empresa encaminhou a A CRÍTICA documentos sobre entrega de televisores e de antenas parabólicas, fotografias que seriam de reuniões com lideranças que aprovariam a operação, relatórios favoráveis da Funai sobre a pesca esportiva da empresa na Terra Indígena Tenharim Marmelo e uma recomendação do Ministério Público Federal favorável à atividade (também na Terra Indígena Tenharim Marmelo).
O consultor também levantou a tese de que Projeto de Fiscalização e Vigilância da Terra Indígena Cunhã Sapucaia, financiado pelo Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL) e gerido pela Funai, seria "um braço instrumental, do Programa Piloto de Proteção às Florestas, que envolve o G7 (Grupo dos Sete - Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido)", e, portanto, uma ameaça à soberania nacional. "Não é aceitável que um organismo internacional venha aqui, na Amazônia, impedir que os povos indígenas se desenvolvam por sua própria autodeterminação", argumentou.
(Por Alessandro Malveira,
A Crítica, 28/08/2007)